Veja/ Revolução silenciosa: transplante de medula pode reescrever luta com HIV – por dr. Renato Cunha

Recentemente, foi noticiada a cura do sétimo paciente portador do HIV por meio do transplante de medula óssea.

O HIV, ou vírus da imunodeficiência humana, foi identificado nos anos 1980 e rapidamente se tornou uma epidemia, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Ele é capaz de atacar o sistema imunológico, especificamente as células T, levando à síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) se não tratado.

Desde então, avanços significativos foram alcançados, principalmente com a terapia antirretroviral (TARV), que permite que indivíduos soropositivos tenham vidas longas e saudáveis. Contudo, uma cura definitiva ainda não foi encontrada.

O transplante de medula óssea é uma forma consolidada de terapia celular, utilizada há décadas para tratar uma variedade de doenças, como leucemias, linfomas e outras condições hematológicas. O procedimento envolve a substituição de células-tronco da medula óssea doentes por células saudáveis de um doador, o que pode regenerar o sistema sanguíneo e imunológico do paciente.

O transplante ganhou destaque como um potencial tratamento capaz de promover a cura de pacientes com HIV em casos específicos, quando as células do doador possuem uma mutação genética rara chamada CCR5/delta32. Essa mutação confere resistência ao HIV, impedindo que o vírus entre nas células de defesa.

Quando um paciente HIV positivo recebe um transplante de medula óssea de um doador com a mutação CCR5/delta32, as novas células imunológicas tornam-se resistentes ao HIV, potencialmente eliminando o vírus do corpo do paciente.

Esse mecanismo foi observado em alguns casos notáveis, como o de Timothy Ray Brown, conhecido como o “Paciente de Berlim”, que, em 2016, foi o primeiro a ser declarado curado do HIV após receber um transplante de medula de um doador com essa mutação.

Desde então, foram confirmados outros seis casos de pacientes que se submeteram ao mesmo tratamento e foram considerados curados.

Apesar do potencial revolucionário, o transplante de medula óssea não é uma solução viável para todos os pacientes com HIV. A mutação CCR5/delta32 é extremamente rara, presente em aproximadamente 1% da população mundial, e o procedimento de transplante é complexo, caro e envolve riscos significativos. Além disso, encontrar um doador compatível com essa mutação é um desafio considerável, limitando a aplicação em larga escala para o controle do HIV.

No entanto, os casos de cura através do transplante de medula óssea oferecem insights valiosos que estão impulsionando o desenvolvimento de novas terapias celulares e genéticas. Técnicas avançadas, como a terapia CAR-T e a edição genética CRISPR, estão sendo exploradas para modificar geneticamente as células do sistema imunológico de pessoas soropositivas, tornando-as resistentes ao HIV.

Essas abordagens promissoras têm o potencial de revolucionar o tratamento não apenas do HIV, mas também de outras doenças infecciosas e genéticas.

No Brasil e em outros países, o acesso a terapias avançadas como o transplante de medula óssea ainda é desigual, mas esforços contínuos estão sendo feitos para tornar essas inovações mais acessíveis. Nosso país tem se destacado em pesquisas e tratamentos inovadores, contribuindo para o avanço global no combate ao HIV. A colaboração internacional entre cientistas e instituições é essencial para acelerar o desenvolvimento e a disseminação de novas curas.

Embora desafios significativos permaneçam, os avanços na terapia celular e genética oferecem uma esperança renovada de que uma cura para o HIV possa ser alcançada no futuro. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de novas tecnologias são fundamentais para transformar essa esperança em realidade, inaugurando uma nova era de tratamento e potencial cura para o HIV e outras doenças complexas.

Com o progresso constante, é possível que, em um futuro não tão distante, possamos ver o HIV ser erradicado como uma ameaça à saúde global.

*Renato Cunha é médico hematologista, doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade Paris-Diderot, pós-doutor pelo National Cancer Institute dos EUA e líder nacional do programa de terapia celular da Oncoclínicas&Co.

Fonte: Veja