Revista Capricho: Nossa relação com a camisinha tem tudo a ver com História e educaçãoRevista Capricho: Nossa relação com a camisinha tem tudo a ver com História e educação
Nossa galera não acompanhou o auge da epidemia de aids e têm negligenciado o uso do preservativo. E ok, os tempos são outros, mas…
Você anda com uma camisinha na carteira? Ou guarda um pacote na gaveta da mesa de cabeceira, ao lado da cama? E, quando vai em festas, lembra de pegar um preservativo antes de sair de casa?
Provavelmente, se essas perguntas fossem feitas aos seus pais, tios e familiares de gerações anteriores, quando eles eram mais jovens, as respostas positivas seriam muito mais frequentes do que se você questionar seus amigos hoje.
O uso de preservativo entre a nossa galera caiu em relação aos jovens de 10, 15 e 20 anos atrás. Na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), publicada no ano passado, cerca de 60% dos brasileiros acima de 18 anos afirmaram não usar preservativo nenhuma vez em relações sexuais.
Um relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que o uso de preservativos entre jovens de 15 anos sexualmente ativos também diminuiu significativamente nos últimos anos na Europa. O percentual de adolescentes que usaram camisinha durante a última relação sexual caiu de 70% para 61% entre os meninos e de 63% para 57% entre as meninas, de 2014 a 2022.
Acontece que, diferente dos pais, tios e familiares, que acompanharam o surgimento da aids na década de 80, e tinham a camisinha como a única forma de se proteger da doença, que até então era altamente fatal, a nossa galera não foi impactada com a morte de ídolos por conta da infecção sexualmente transmissível, ou pelas grandes campanhas de prevenção.
Em 1993, Luana Piovani estampou a capa da Capricho segurando um preservativo, com o título: Camisinha: tem que usar! “Tem que conhecer, tem que desgrilar. Tudo que você sempre quis saber sobre a camisinha e nunca teve coragem de perguntar”, dizia a chamada.
Com o surgimento da terapia antirretroviral, a partir de 1996, a doença passou a ser uma infecção crônica tratável e o “medo” da aids tornou-se menor, o que também contribuiu na redução do uso de preservativos ‒ além da falta de educação sexual nas escolas e em casa.
O comunicador e influenciador digital Lucas Raniel descobriu o HIV em 2013, quando tinha 21 anos. Com o tratamento gratuito disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), hoje, ele alcançou a carga viral indetectável ‒ isto é, ele tem uma quantidade tão baixa de vírus no corpo a ponto de não transmitir a quem ele se relaciona sexualmente.
Desde 2015, ele usa a internet e as redes sociais para compartilhar suas vivências, debater sobre os estigmas e preconceitos e levar informação atualizada sobre a prevenção, de um jeito simples, espontâneo e como uma linguagem acolhedora e que não dissemine preconceitos.
Ele ressalta que, de lá para cá, viu muitos avanços na ciência, em termos de tecnologias, tratamentos e medicações, no entanto, quando se trata da comunicação sobre o tema, a sociedade caminha a passos lentos.
“Muita gente não fala sobre HIV porque acredita que é ‘coisa de gay’ e gente promíscua, mas, desde 2015, quem tem mais se infectado com HIV é a população heterossexual”, afirma em entrevista à CAPRICHO.
Lucas acrescenta que, como a relação dos jovens com o sexo é muito construída a partir da pornografia, o método de prevenção é negligenciado, já que a performance tem um valor muito maior que a saúde. Todos esses aspectos sociais e culturais, segundo ele, influenciam no abandono ou uso incorreto do preservativo pela nossa galera.
Qual a diferença entre aids e HIV, Capricho?
O Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é um microrganismo que pode infectar o sistema imunológico do corpo. Ele enfraquece as defesas naturais do organismo, tornando-o suscetível a doenças e infecções. O HIV não tem cura, mas com tratamento adequado, as pessoas podem viver uma vida saudável por muitos anos. Já a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids) é a fase mais avançada da infecção pelo HIV.
Não é só pra não engravidar, viu?
Ao afrouxar a prevenção e os cuidados, observamos o número de casos de ISTs só aumentar. Mesmo com o tratamento antirretroviral garantido para todos, por meio do SUS, entre 2011 e 2021, mais de 52 mil jovens de 15 a 24 anos com HIV evoluíram para a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), segundo o Ministério da Saúde.
Nos consultórios, diagnósticos de sífilis, herpes genital, HPV, gonorreia, infecção por clamídia mostram mais faces do problema, como relata a ginecologista Juliana Teixeira à CAPRICHO. A partir da sua experiência, ela observa que “as meninas não usam camisinha, principalmente aquelas que estão em um relacionamento estável e usam outro tipo de método contraceptivo, como pílula ou DIU, ou aquelas só se relacionam com outras mulheres”.
“É como se a única prioridade fosse não engravidar e não existe a possibilidade de pegar uma IST. Aí quando vem o diagnóstico, parece uma grande surpresa”, conta. Com isso, Juliana agrega ao seu ofício de ginecologista o trabalho de convencer suas pacientes, em especial as mais jovens, a usarem camisinha. Não só por conta do risco do HIV, mas também de outras ISTs, que, apesar de serem muito comuns, vivem acobertadas pelo tabu e preconceito.
“Ninguém chega em uma roda de amigos e fala que está com clamídia, por isso tantas pessoas acreditam que é uma infecção super rara e difícil de pegar, mas não é”, alerta a especialista.
Novos aliados da camisinha
Diante de todo esse cenário, Vinicius Lacerda, médico-cirurgião do aparelho digestivo, especializado em infecções sexualmente transmissíveis do ânus e reto, ressalta que, se no passado, a camisinha era a única forma de prevenção a ISTs, hoje, ela ganha reforços, com novas formas de prevenção desenvolvidas ao longo dos anos e que os jovens devem se apropriar.
A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) é outra forma de prevenção ao HIV, no qual a pessoa, que não vive com vírus, toma comprimidos antirretrovirais, antes das relações sexuais para evitar a infecção.
Já a PEP (Profilaxia Pós-Exposição de Risco à Infecção pelo HIV, ISTs e Hepatites Virais) é uma medida de prevenção de urgência para ser utilizada quando a pessoa já foi exposta à situação de risco.
“O jovem precisa conhecer todos os métodos e participar da escolha sobre a forma de prevenção”, defende Vinicius, que ressalta a importância da educação sexual desde cedo. E uma educação sexual que não seja baseada no medo como foi no passado, mas que aproveite o acesso à informação da nossa galera para espalhar a mensagem principal: proteja-se!