G1: Em depoimento, técnico do PCS diz que ordem era não fazer testes de HIV diários porque kits de reagentes são caros
Ivanilson Fernandes, técnico no laboratório responsável pelos exames que não detectaram o vírus nos órgãos transplantados, prestou depoimento à Polícia Civil sobre o caso. Ele afirmou que o controle de qualidade dos exames passou de diário à semanal esse ano por redução de gastos.
Os gestores do laboratório PCS Lab Saleme, investigado pelo caso dos transplantes de órgãos infectados por HIV, orientaram que o número de testes para controle de qualidade dos exames fosse reduzido por uma questão econômica. Foi isso que afirmou, em depoimento à polícia, o técnico Ivanilson Fernandes dos Santos, preso nesta segunda-feira (14).
O técnico disse que a orientação mudou por conta do alto custo dos kits de reagentes, produto utilizado na máquina analítica.
O JN teve acesso com exclusividade ao depoimento do funcionário responsável pelos exames que não detectaram o vírus nos órgãos transplantados. O documento mostra que ele acredita que os erros podem ter ocorrido por conta dessa economia, já que os reagentes permaneciam por mais tempo na máquina.
“Podem ocorrer erros em face de que os reagentes ficam degradados por permanecerem muito tempo na máquina analítica; que o controle é uma segurança da certeza do resultado e por isso deve ser diário”, respondeu Ivanilson em seu depoimento.
Ivanilson é apontado como um dos responsáveis pelo laudo que atestou a segurança dos órgãos transplantados.
Ele disse em depoimento que a partir de janeiro desse ano, os testes de controle de qualidade passaram a ser semanais e não mais diários, como era até o fim de 2023.
Ainda segundo ele, o controle de qualidade era fundamental para evitar erros. E que a partir de 2024, a responsabilidade pelo controle de qualidade passou a ser da coordenadora Adriana Vargas.
“Quando houve mudança do controle de qualidade, Adriana Vargas disse que a ordem era economizar porque estava tendo muitos gastos”, disse Ivanilson.
De acordo com o depoimento à polícia, Ivanilson acreditava que algum problema poderia acontecer por conta do corte de gastos com os testes de controle de qualidade. Ele afirmou que pensava em se desligar de sua função, mas acabou demitido na última sexta-feira (11).
Falha no controle de qualidade
Segundo o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, as informações iniciais colhidas até o momento dão conta de que houve uma falha operacional de controle de qualidade nos testes aplicados ao diagnóstico de HIV.
Na opinião de Curi, a nova orientação dos gestores do laboratório tinha o objetivo de obter lucro nessa questão das análises.
Outra pessoa presa nesta segunda-feira foi o médico Walter Vieira, que é casado com a tia do ex-secretário de Saúde Dr. Luizinho. Ele é o responsável técnico e um dos sócios do laboratório PCS. Foi Walter Viera que assinou um dos laudos negativos de HIV, que liberou para transplantes órgãos infectados.
O médico disse à polícia que a culpa por um dos resultados errados seria de Cleber de Oliveria Santos, coordenador de biologia do laboratório, que deveria ter checado o equipamento onde foram feitos os testes. Cleber também teve a prisão decretada e está foragido.
Quanto ao segundo laudo com o falso negativo, o médico disse que o técnico Ivanílson simplesmente teria digitado errado o resultado.
Walter Vieira disse ainda que o erro não teria sido conferido pela funcionária Jaqueline Bacellar, cuja assinatura consta nesse outro laudo.
Foragida deve se apresentar
Jaqueline também teve a prisão decretada nesta segunda. Antes de saber da ordem da Justiça, ela falou ao RJ1.
Jaqueline disse que era uma funcionária burocrática do laboratório, e não biomédica como consta no laudo. Ela disse também que uma assinatura dela armazenada no sistema foi usada indevidamente.
“Eu fazia conferência de estoque, realizava pedido de insumos, preenchimento de planilhas de uma maneira geral”, explicou suas funções Jaqueline.
O advogado de Jaqueline disse que ela vai se apresentar na delegacia na próxima terça-feira (15).
A polícia também fez buscas em vários endereços nesta segunda. Na sede principal do PCS Saleme, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, os agentes tiveram que arrombar a porta com os pés.
Falso positivo para HIV afetou bebê
Além dos exames da Central de Transplantes no Estado do Rio, o mesmo laboratório era responsável por atender outras dez unidades de saúde da rede estadual. Em uma dessas unidades, surgiu uma nova denúncia de erro grave do PCS Saleme.
A dona de casa Tatiane Andrade, moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, denunciou ao g1 e à polícia que um erro em um exame de HIV fez com que sua bebê recém-nascida recebesse tratamento para soropositivos por 28 dias.
Gabrielle, hoje com 1 ano de vida, precisou tomar um coquetel de remédios logo após nascer prematura, de 7 meses. Além disso, não pôde amamentar para evitar a infecção pelo HIV – que na verdade não existia.
A mãe dela, Tatiane, de 30 anos, foi medicada para secar o leite e nunca amamentou a filha. Além disso, sofreu com transtorno de estresse pós-traumático por achar que também tinha contraído o vírus.
O parto foi na maternidade particular NeoMater, em setembro de 2023. No dia do nascimento da filha, Tatiane fez um teste de HIV na maternidade, que contrata o PCS para os exames – ambas as unidades ficam em Nova Iguaçu. O resultado deu positivo.
O que dizem os citados
Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio reiterou que o laboratório PCS Saleme não faz mais exames para o estado e que criou uma comissão multidisciplinar para acolher os pacientes afetados.
O laboratório PCS Saleme declarou que dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados assim que tiver acesso à identidade deles.
Sobre o caso da Tatiane Andrade, o PCS Saleme afirmou que o terceiro teste deu o resultado correto.
A TV Globo tentou contato com a coordenadora do PCS Adriana Vargas, mas até a última atualização da reportagem não houve retorno.
Fonte: G1