UOL: Cozinheiro com HIV sofre ataques: ‘Acham que transmite pela comida’

O microempreendedor Djair Oliveira Gomes, 27, dono de um negócio de culinária por delivery em Aracaju (SE), foi alvo de preconceito por ser uma pessoa que vive com HIV, mas que trabalha preparando comidas.

O que aconteceu

Djair usa seus perfis nas redes sociais para divulgar o empreendimento que gerencia, mas também para compartilhar informação sobre HIV. Recentemente, o cozinheiro viralizou após expor comentários que recebe na internet de pessoas que acreditam que o vírus possa ser transmitido por meio da comida ou, ainda, de que ele poderia transmitir o vírus de forma proposital nas refeições que prepara.

“Comecei a vender comida e recebi comentários preconceituosos porque vivo com HIV. Eles acham que o vírus pode ser transmitido através da comida e teve até gente sugerindo que eu poderia transmitir o vírus por maldade”, diz o cozinheiro em vídeo que viralizou nas redes sociais.

Única “maldade” que tem é a sorofobia, destaca Djair. A VivaBem, o cozinheiro relatou que vive com HIV há oito anos e que decidiu abrir o negócio de comida por delivery em plataformas como iFood para pagar as contas após enfrentar dificuldades em se manter no mercado formal.

Djair sempre trabalhou no ramo da culinária em restaurantes de Sergipe. Entretanto, o microempreendedor destaca que o preconceito com sua sorologia, que ele decidiu tornar pública, é um impeditivo para as empresas o contratarem.

O sergipano descobriu viver com o vírus HIV aos 19 anos, quando trabalhava em um restaurante local. Na época, após receber o diagnóstico, ele compartilhou a informação com uma colega do trabalho em quem confiava, mas não esperava que ela fosse falar sobre sua sorologia para outros colegas. “Eu me abri com ela e, no dia seguinte, outras pessoas do meu trabalho já estavam sabendo, começaram a fazer perguntas invasivas”, explica.

Dois dias depois de receber o diagnóstico, Djair sofreu um pequeno corte ao secar talheres. Como todos no ambiente de trabalho já sabiam de sua sorologia, a reação foi de preconceito, inclusive da proprietária do estabelecimento. “Tive um pequeno corte e a dona falou: ‘cuidado, o Djair cortou o dedo’. Ela me mandou lavar a mão na privada e no outro dia me demitiu. Na mesma semana em que fui diagnosticado e que minha colega expôs minha sorologia, a demissão aconteceu”.

Rejeitado pelos pais por ser homossexual e desempregado após ser mandado embora do restaurante em que trabalhava, Djair decidiu criar conteúdo informativo para a internet sobre HIV. Foi quando tornou pública sua sorologia, mas o conteúdo não teve o alcance de público e o retorno financeiro que ele esperava. Sem alternativas, voltou a buscar oportunidades no mercado formal, mas as experiências foram passageiras.

“Cheguei a trabalhar em outros restaurantes, mas foram experiências rápidas. Eles nunca falam ‘vou te demitir por causa disso [o HIV]’, mas eu sentia algo estranho. Eu recebia elogios dos pratos que eu fazia, mas do nada era demitido.”
Djair Oliveira Gomes

Divulgar sem autorização a sorologia de uma pessoa que vive com HIV é crime. A Lei 12.984/14 prevê pena de um a quatro anos de reclusão, mais pagamento de multa, para quem expor a condição sorológica de terceiros ou agir de forma discriminatória em razão da sorologia, como, por exemplo, demitir um funcionário por ter HIV.

Negócio próprio

Com as portas do mercado de trabalho formal fechadas, Djair decidiu empreender e criar o próprio negócio de culinária. “Como eu sempre recebi elogios da minha comida nos restaurantes que trabalhei, resolvi começar a vender comida no iFood porque aí posso vender de casa, tenho tempo de criar conteúdo e posso estudar”, explica.

Paralelo ao empreendimento, Gomes continuou falando abertamente sobre HIV na internet, mas também aproveitou a visibilidade para divulgar seu negócio. “No começo eu ignorei, mas depois de um tempo decidi expor para contar para as pessoas que não tem nenhum risco, que eu não transmito o vírus, principalmente porque faço tratamento corretamente e sou indetectável”, completa.

O negócio de venda de pratos típicos de Sergipe é a única forma de renda de Djair, que concilia o trabalho com a faculdade de enfermagem. “Eu, como estudante de enfermagem, tenho ciência que não tem risco de transmissão, mas também compreendo que a população é leiga, que desconhece os mecanismos de transmissão do HIV, por isso decidi falar abertamente para dizer que não tem riscos”.

Depois da exposição, os comentários preconceituosos continuaram, mas Djair também diz ter recebido apoio. “Tiveram críticas negativas, mas muita gente da cidade passou a seguir meus perfis, a fazer pedir pedidos, a dar apoio, aprender mais sobre o assunto. As pessoas precisam se informar mais, a buscar informação antes de julgar, de sair falando o que pensa. Uma pessoa com HIV pode ocupar o espaço que quiser”.

Risco de transmissão é zero, diz infectologista

A chance de transmissão do HIV no preparo da comida é nula, explicou a VivaBem o médico infectologista Vinícius Borges. “A ciência é clara: não há riscos. Mesmo que uma gota de sangue de uma pessoa vivendo com HIV caia na comida, o vírus não sobrevive ao ambiente externo (oxigênio, temperatura e a acidez gástrica) e não é capaz de infectar ninguém por ingestão”.

Para o especialista, o caso de preconceito sofrido por Djair é resultado da ignorância da população sobre os mecanismos de transmissão do vírus. “HIV não é radiativo. Não se transmite o vírus por meio do beijo, do abraço, compartilhamento de copo, talher, comida ou aperto de mão. A transmissão ocorre pelo sexo sem preservativo, compartilhamento de objetos perfurocortantes [como seringas], transfusão de sangue não testado e durante o parto ou pela amamentação de mães que não fazem tratamento”.

“HIV não se transmite por via oral nem por ingestão de alimentos, mesmo com pequenas quantidades de sangue. Essa é uma das ideias erradas mais comuns e perigosas, que alimentam preconceito, estigma e exclusão social – especialmente de pessoas que trabalham com manipulação de alimentos.”
Vinícius Borges, médico infectologista

Uma pessoa que vive com HIV em tratamento e com carga viral indetectável tem “risco zero” de transmissão, ressalta o médico. “Após cerca de seis meses de tratamento o paciente pode atingir a carga viral indetectável e, nesse caso, não transmite o vírus nem mesmo por sexo. Pessoa com HIV em tratamento pode exercer qualquer profissão”.

 

Fonte: UOL