“Uma prova de que estou viva”: Jenice Pizão faz do esporte um aliado no envelhecimento com HIV
Envelhecer com HIV parecia inimaginável. Quando recebeu o diagnóstico, aos 30 anos, Jenice Pizão ouviu que teria apenas cinco anos de vida. Hoje, aos 66, a professora de história aposentada encara a piscina, os pesos da academia e as aulas de pilates como símbolos de resistência — e também de felicidade.
“Eu com 66 anos na água correndo, fazendo exercícios… é uma surpresa. Eu nunca gostei, e hoje faço feliz. Isso é bem legal. Acho que até essa felicidade vem da constatação de que eu estou viva, livre, forte e junto com as amigas do movimento.”
Da sentença de morte à rotina de autocuidado
Mãe e avó, Jenice descobriu o HIV quando ainda não havia medicamentos disponíveis no SUS e pouco se sabia sobre o vírus. O prognóstico era desanimador. Mas ela não se resignou: transformou o susto em militância e passou a acolher outras pessoas vivendo com HIV. Desde então, ergue a bandeira contra o estigma, inclusive como integrante do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP), coletivo que há duas décadas fortalece mulheres em todo o país.
“Envelhecer vivendo com HIV é uma surpresa. Quando eu recebi o diagnóstico, o prognóstico de vida era cinco anos. Já se passaram 35. Ninguém esperava que as pessoas com HIV envelhecessem, nem eu. Eu tinha 30 anos na época e falava: no máximo chego aos 40. Olha eu aqui, com 66 anos.”
O corpo pede cuidado
Foi o envelhecimento que fez Jenice repensar sua relação com a atividade física. Vieram as dores, a osteoporose, as limitações. O alerta soou alto.
“Eu nunca tive muita ligação com exercícios físicos, nunca gostei mesmo. Mas aí eu falei: não quero isso para mim. Preciso me cuidar.”
Começou devagar, com caminhadas na esteira e exercícios com pesinhos em casa. Hoje, a rotina inclui hidroginástica duas vezes por semana, pilates, musculação e atividades coletivas no SESI. Sempre com disciplina, sempre com bom humor.
“O envelhecimento não é a melhor idade, pode ser cruel se você não cuidar de si. Mas a gente tenta sobreviver bem, e isso passa pelo corpo também.”
Corpo ativo, mente viva
Os treinos não são apenas sobre músculos. Para Jenice, movimentar o corpo é também um jeito de proteger a mente.
“Se você não está consciente da sua vida, dos seus limites e das suas possibilidades, você cai numa armadilha da tristeza e da depressão. Eu não gosto dessa vida de tristeza. Eu digo que a tristeza é ruim porque dá ruga. A alegria e o sorriso podem tirar minhas rugas também”, brinca.
Na piscina, na academia ou no pilates, o HIV não ocupa seus pensamentos. “Eu nem lembro. Eu sinto que tenho que fazer e faço. É muito gratificante.”
O que diz a ciência
A trajetória de Jenice encontra respaldo em pesquisas recentes. Um estudo publicado na revista Aids Care mostrou que o ganho de peso associado à terapia antirretroviral (TARV) pode comprometer a qualidade de vida e até reduzir a adesão ao tratamento. Segundo os pesquisadores, 24% dos participantes ganharam 5% ou mais de peso em apenas um ano — grupo que apresentou pior qualidade de vida e menor adesão.
Para Alexandre Gadducci, educador físico, doutor em Ciências pela USP e especialista em reabilitação e saúde metabólica, a prática regular de exercícios é fundamental para quem vive com HIV.
“Com a chegada dos antirretrovirais, muitas pessoas com HIV passaram a ganhar peso, especialmente gordura abdominal. Esse peso extra aumenta o risco de doenças como diabetes e hipertensão. A boa notícia é que a prática regular de exercícios ajuda a reduzir esses riscos e melhora muito a qualidade de vida”, explica.
Ele reforça: não é preciso começar com treinos intensos. Caminhadas, exercícios simples em casa ou atividades em grupo já fazem diferença. “O mais importante é dar o primeiro passo. Pequenas mudanças já fazem diferença.”
Ativismo e luta coletiva
A história de Jenice também é marcada pelo ativismo. Ela lembra que, há cerca de 15 anos, Campinas foi pioneira em incluir práticas de educação física no Programa Municipal de HIV/Aids.
“Era a Academia da Saúde, para combater os efeitos da falta de exercícios e também a lipodistrofia, que gritava no corpo das pessoas. Até hoje isso é uma das nossas demandas. O serviço de saúde ainda não nos atende como deveria nos casos de lipodistrofia, mesmo que os medicamentos atuais causem menos efeitos colaterais.”
Mais do que a musculação ou o pilates, é o coletivo de mulheres que a sustenta. “Uma das coisas que me mantém viva e fazendo coisas é participar desse movimento. Eu fui aprendendo com essas mulheres poderosas a entender que juntas nós somos fortes. Nosso lema é: juntas, livres e vivas.”
Resistência em movimento
Entre a leveza da piscina, o esforço da musculação e a disciplina do pilates, Jenice encontra um sentido maior: viver com dignidade, resistir com alegria.
“Eu faço feliz, não faço emburrada. Cada atividade é uma surpresa, uma prova de que estou viva. Esse é o meu jeito de resistir e de me cuidar.”
Fonte: Agência Aids