Ucrânia aposta em inteligência artificial para aprimorar serviços de HIV durante a guerra
Mesmo em meio à guerra, a Ucrânia tem mostrado notável capacidade de manter e inovar na oferta de cuidados em saúde pública. Uma das áreas em que essa resiliência se destaca é o enfrentamento ao HIV. Durante a 20ª Conferência Europeia de Aids (EACS 2025), realizada em Paris, a pesquisadora Tetiana Deshko, da Aliança para a Saúde Pública da Ucrânia, apresentou três maneiras pelas quais o país está utilizando a inteligência artificial (IA) para fortalecer seus serviços: com “humanos digitais” que orientam populações-chave, com aprendizado de máquina para otimizar testagens e com análise automatizada para reforçar o planejamento de resiliência institucional.
Chatbots com rosto humano
Um dos exemplos mais inovadores é o TWIIN, um chatbot voltado a populações-chave — como pessoas que usam drogas, profissionais do sexo e homens que fazem sexo com homens — capaz de responder perguntas sobre saúde sexual, uso de drogas e acesso a serviços. Diferentemente dos chatbots tradicionais, o TWIIN utiliza “humanos digitais”, avatares animados baseados em rostos e vozes de pessoas reais, muitos deles agentes comunitários ou usuários dos próprios serviços.
Segundo Deshko, estudos mostram que a presença desses avatares aumenta o impacto nas mudanças de comportamento, por criar maior empatia e identificação cultural. As dúvidas mais comuns enviadas ao TWIIN envolvem temas como PrEP, PEP, autotestes, prevenção de overdose, terapia de substituição de opioides e chemsex.
A ferramenta combina uma base de conhecimento própria — criada pela Aliança para a Saúde Pública — com o ChatGPT, que responde quando o tema não está incluído na base. O serviço é promovido por meio de influenciadores, eventos comunitários e, principalmente, anúncios direcionados via Google e Meta, que se mostraram a forma mais eficaz de alcançar o público-alvo.
Entre julho e setembro de 2024, o TWIIN alcançou 4.702 pessoas, número superior à média registrada por cada ONG apoiada pelo Fundo Global, que costuma atender cerca de 1.150 pessoas no mesmo período. Além disso, o chatbot direciona usuários a uma plataforma de telessaúde, onde podem solicitar preservativos, seringas, autotestes e naloxona, ou agendar atendimentos por vídeo com profissionais de saúde.
IA aprimora testagens e diagnósticos
Outra frente de inovação é o uso de aprendizado de máquina para tornar mais eficaz a testagem em redes sociais, um modelo já conhecido na Ucrânia. Nessa estratégia, pessoas recém-diagnosticadas com HIV recebem cupons e incentivos para que convidem colegas e parceiros de suas redes a realizar o teste.
Inicialmente, essa abordagem elevou a taxa de detecção de 1–2% para até 24%. Porém, com o tempo, os resultados começaram a variar conforme o perfil de quem distribuía os cupons. Para aperfeiçoar a seleção, a Aliança passou a utilizar modelos de IA capazes de prever quais indivíduos têm mais chance de identificar novos casos de HIV.
Em 2024, essa metodologia mostrou resultados promissores: 55 pessoas recém-diagnosticadas indicaram 922 colegas, dos quais 52 (5,6%) testaram positivo. Em comparação, quando a escolha era manual, 67 casos índice indicaram 3.208 colegas, resultando em 137 novos diagnósticos (4,3%). A expectativa é que, à medida que os algoritmos aprendam com mais dados, a eficiência aumente ainda mais.
Planejamento de resiliência com apoio da IA
Além de aprimorar o cuidado direto, a Aliança para a Saúde Pública também utiliza IA para fortalecer sua gestão de continuidade de negócios, um requisito da certificação internacional ISO 22301. Essa norma define padrões para que organizações consigam manter serviços essenciais mesmo durante crises, como ataques cibernéticos, falhas de infraestrutura ou bombardeios.
Um agente conversacional de IA auxilia a equipe a mapear riscos, dependências e processos críticos, além de elaborar planos de emergência personalizados e prever ameaças antes que elas se agravem. A tecnologia também fornece suporte em tempo real durante crises e analisa eventos passados para aprimorar as respostas futuras.
De acordo com Deshko, essa automação torna o planejamento de continuidade acessível até mesmo para organizações com poucos recursos, um fator crucial para garantir que serviços vitais — como a testagem e o tratamento do HIV — não sejam interrompidos, mesmo em meio à guerra.
Fonte: Agência Aids com informações


