Sociedade civil, Unaids e ABIA discutem possíveis impactos de tecnologias de prevenção injetáveis de longa duração para HIV
Em um momento de grandes desafios políticos e financeiros relacionados à resposta global à aids, a sociedade civil, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) e o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) realizaram um webinário para discutir o acesso a medicamentos injetáveis de longa duração para o HIV no Brasil.
A proposta do encontro foi a ampliação do debate sobre como as populações específicas poderiam se beneficiar de novas tecnologias injetáveis de longa duração para HIV, com destaque para o papel da sociedade civil e dos movimentos sociais na demanda por políticas públicas inclusivas no Sistema Único de Saúde (SUS).
Impactos do Acordo TRIPS e desigualdade no acesso
Susana Rodrigues apresentou uma análise crítica dos 30 anos do Acordo TRIPS, destacando como as regras internacionais de patentes têm favorecido interesses privados e limitado o acesso a medicamentos essenciais.
O caso do lenacapavir — medicamento inovador, mas de alto custo, cerca de US$ 40 mil (R$ 219,86 mil) para prevenção anual por pessoa — exemplifica como a falta de regulação mais justa aprofunda desigualdades no tratamento do HIV. Segundo ela, é urgente repensar o modelo de licenças voluntárias e promover alternativas que garantam o acesso universal.
Atuação do legislativo e mobilização política
O assessor parlamentar Thiago Coacci, representando o mandato da deputada federal Duda Salabert, compartilhou as estratégias em curso no Congresso Nacional para ampliar o acesso a medicamentos e fortalecer políticas de respostas ao HIV/aids.
Entre os destaques estão ações voltadas à fiscalização da distribuição de insumos, garantia de orçamento público e articulação com movimentos sociais. Thiago reforçou a importância de campanhas educativas e da pressão da sociedade civil para garantir a inclusão da diversidade de estratégias de saúde no SUS.
Desafios da população trans
Keila Simpson, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), abordou as barreiras enfrentadas por pessoas trans no acesso à prevenção. O uso prévio de silicone industrial e a marginalização social tornam a adesão à PrEP oral diária ainda mais desafiadora.
Keila defendeu mais pesquisas específicas e políticas de saúde que considerem as vulnerabilidades dessa população, com foco na acessibilidade real das novas tecnologias.
A papel crucial das comunidades
Representantes de diferentes grupos sociais destacaram a importância do conhecimento para e com as comunidades como ferramenta central na resposta ao HIV.
Fêtxawewe Veríssimo relatou os obstáculos vividos por povos indígenas, incluindo a limitação de informação sobre educação sexual nas aldeias. Veriano Terto Júnior, vice-presidente da ABIA e outros participantes ressaltaram a necessidade de valorizar saberes locais e fortalecer a presença do tema no Congresso Nacional, assim como foi feito no início da resposta brasileira, nos anos 80.
União dos movimentos sociais por acesso universal
O debate também trouxe reflexões sobre o futuro do SUS e os caminhos para garantir a implementação de novas tecnologias no cuidado das pessoas vivendo com HIV.
Preocupações como a terceirização dos serviços, a capacitação contínua de profissionais e a democratização da informação foram apontadas como urgentes. Ao final, os participantes reforçaram que somente com a união de esforços entre movimentos sociais, gestores públicos e comunidade científica será possível garantir acesso universal, equitativo e digno aos novos medicamentos para HIV.
Richard Parker, presidente da ABIA, reforçou o momento único em que se encontra a resposta global ao HIV: “Por um lado, nunca na história do enfrentamento da epidemia tivemos tantas ferramentas capazes de realmente mudar o curso dessa pandemia”. No entanto, ele também destacou os enormes desafios, especialmente a falta de investimentos para sustentar essa resposta: “Estamos vivendo o pior momento em termos de políticas internacionais de AIDS, com cortes em recursos essenciais para o tratamento e a prevenção do HIV em todo o mundo. O objetivo é dialogar sobre essas possibilidades e as diferentes ideias que podem impulsionar avanços nessa direção”, concluiu.