Resistência ao dolutegravir e fim do PEPFAR preocupam especialistas na Conferência Europeia de Aids

A antropóloga e pesquisadora comunitária Pisci Bruja, que participa da 20ª Conferência Europeia de Aids (EACS 2025) em Paris, gravou um novo boletim exclusivo para a Agência Aids, trazendo reflexões sobre os principais temas discutidos no segundo dia do evento. Entre os assuntos em destaque estão as pesquisas comunitárias e participativas em HIV, o avanço das terapias antirretrovirais (TARV), a resistência ao dolutegravir e os impactos do fim do PEPFAR, o programa norte-americano de financiamento global à resposta ao HIV/aids.

“Comecei o dia acompanhando um painel sobre pesquisas comunitárias e participativas em HIV e aids. Grosso modo, isso dá pra resumir assim: nada sobre nós sem nós”, relatou Pisci. O debate, segundo ela, ressaltou o papel transformador das pesquisas feitas com e pelas comunidades, e não sobre elas.

“Essas pesquisas reforçam que as próprias comunidades são protagonistas. Elas não são objetos de estudo, mas cocriadoras do conhecimento científico, desde o desenho dos projetos até a aplicação dos resultados”, destacou.

A pesquisadora contou que a discussão também abordou a importância da interseccionalidade na produção científica e citou a fala de Amanita Calderon, da organização Transgender Europe and Central Asian Network, que defendeu o envolvimento direto das comunidades como forma de fortalecer o rigor científico.

“Muitas vezes, o conhecimento comunitário é subestimado e deslegitimado. Precisamos romper com essa lógica extrativista e construir pesquisas que respeitem a ética e a vivência das pessoas envolvidas”, reforçou Pisci.

Outro tema importante do dia foi o avanço dos antirretrovirais (ARV) e os desafios atuais das terapias. A pesquisadora lembrou que, desde os primeiros medicamentos lançados em 1987, houve uma grande evolução, passando por esquemas simplificados e chegando às terapias duplas e injetáveis.

“Falou-se sobre o dolutegravir, amplamente utilizado no mundo, e sobre o aumento da resistência ao medicamento, que já varia entre 4% e 8%. Isso acende um alerta, especialmente em um momento de cortes de financiamento global”, disse.

Pisci também destacou a preocupação com o fim do PEPFAR — programa criado nos anos 2000 pelos Estados Unidos, responsável por subsidiar ações de enfrentamento ao HIV em mais de 50 países, especialmente na África Subsaariana e no Sul Global.

“O PEPFAR salvou cerca de 25 milhões de vidas e evitou 2 milhões de novas infecções. Seu encerramento é uma perda significativa. Em alguns países, já se observa o fracionamento do dolutegravir — pessoas tomando o remédio duas ou três vezes por semana — por medo da escassez”, alertou.

Além disso, a pesquisadora chamou atenção para o potencial das terapias injetáveis, como o cabotegravir e a rilpivirina, que vêm sendo estudadas como alternativas eficazes para pessoas com dificuldades de adesão ao tratamento oral, incluindo populações em situação de vulnerabilidade.

“Essas terapias podem garantir melhor adesão e mais qualidade de vida para pessoas vivendo com HIV. Precisamos discutir sua implementação no SUS, inclusive para quem já vive com o vírus, e não apenas no contexto da profilaxia”, defendeu.

Encerrando o boletim, Pisci Bruja reforçou a importância de pensar a prevenção e o cuidado a partir dos corpos e das experiências das pessoas que vivem com HIV, com ética, representatividade e compromisso social.

“Está na hora de pensar os injetáveis para nós, que vivemos com HIV também. A prevenção e o tratamento são parte da mesma luta”, concluiu.

Fonte: Agência Aids