Pilates, força e superação: Silvia Almeida move o corpo e rompe o silêncio sobre viver com HIV
Viver com HIV ainda significa enfrentar estigmas, mas também é a chance de escrever histórias de superação e resistência. A trajetória de Silvia Almeida mostra que cuidar do corpo é parte fundamental desse processo. Aos 61 anos, ela soma quase 30 vivendo com o vírus e encontrou na atividade física, não apenas saúde, mas também alegria, autoestima e acolhimento.
“Eu vivo com HIV desde 96. Ano que vem completo 30 anos de HIV. Na época do coquetel, eu acabei desenvolvendo lipodistrofia, fiquei bem magra de pernas e de rosto. Eu não tinha noção de quanto era importante cuidar do corpo também, além da medicação”, lembra.
As primeiras mudanças
Quando foi diagnosticada, Silvia buscou apoio no espiritismo, na psicoterapia e em grupos de ajuda mútua. Mas só anos depois percebeu que precisava olhar também para o corpo.
“Eu sempre gostei muito de dançar, eu dançava bastante. Para mim, isso bastava. Mas com o tempo, com mais informações, fui entendendo a importância da alimentação e do exercício.”
A virada de chave e compreensão sobre a importância de incluir exercícios físicos em sua rotina e investir definitivamente em sua autoestima, aconteceu no trabalho. Funcionária de uma multinacional, recebeu apoio para tratamentos de lipodistrofia e também para frequentar academia e natação durante dois anos.
“Foi a primeira vez que a atividade física fez parte do meu tratamento. Fiquei mais disposta, parei de perder massa muscular e vi como isso fazia diferença na minha vida.”
Pilates como autocuidado
Atualmente, vivendo em Monte Aprazível interior de São Paulo, Silvia encontrou no pilates o exercício que dá energia, força e equilíbrio.
“Eu faço pilates duas vezes por semana. É algo que me dá prazer e faz bem para a saúde mental. Quando você se conhece e faz uma coisa que gosta, isso se transforma em autocuidado.”
Mais do que saúde física, ela destaca o impacto emocional:
“A alegria de uma pessoa vivendo com HIV também é parte muito importante do tratamento. A tristeza abre brechas para você adoecer.”
Visibilidade contra o estigma
Silvia nunca escondeu sua sorologia. Pelo contrário, faz questão de ser visível em qualquer espaço.
“Eu sou publicamente assumida. Em todos os lugares que estou, a minha sorologia positiva está comigo. Isso me faz sentir completamente incluída na sociedade e ajuda a desmistificar preconceitos.”
No pilates, ela transforma o treino em espaço de ativismo:
“Eu converso com o professor, falo sobre HIV, levo informação. As pessoas me veem com força, alegria e vontade de viver. Isso ajuda a quebrar estigmas e a vencer a discriminação.”
O que diz a ciência
O educador físico André Soares, especialista em reabilitação, viu de perto a transformação de Silvia e de centenas de pessoas que passaram pelo Projeto Lá em Casa — um espaço de reabilitação física e convivência pensado para devolver qualidade de vida e autoestima a quem vive com HIV/aids.
Criado pela jornalista Roseli Tardelli, diretora desta Agência, para ser um lugar de encontro e acolhimento, o projeto funcionou presencialmente até a pandemia de Covid-19, quando precisou se reinventar e passou a oferecer aulas online para que ninguém ficasse desamparado.
Para André, o que fez o Lá em Casa especial não foram apenas os exercícios, mas o afeto: “o Lá em Casa acolheu as pessoas, com atenção, carinho e principalmente, respeito”.
O especialista defende que o exercício físico é mais do que complemento: é parte essencial do cuidado e tratamento.
“As pessoas vivendo com HIV têm a tendência de desenvolver um perfil inflamatório mais elevado. Uma das formas mais eficazes de contornar isso é a prática regular do exercício físico , aliado à nutrição e ao sono”, explica.
Ele lembra que a prática ajuda a preservar massa muscular, melhora os índices de colesterol e triglicérides e protege contra doenças crônicas.
“O exercício é antídoto contra a inflamação subclínica. Ele mantém o corpo ativo e, ao mesmo tempo, fortalece a autoestima e a autoimagem. É saúde e acolhimento ao mesmo tempo.”
André viu de perto como o ambiente de movimento e convivência transformou vidas:
“O acolhimento fazia conversas virarem curas emocionais. Era muito mais do que exercício. Era amizade, inclusão e empoderamento.”
Inovadora e exitosa : a bem sucedida experiência de exercícios implantada pelo Instituto Vida Nova
Não existia um olhar para as especificidades e desafios que viver com HIV trouxe quando falamos em atividades físicas. O espaço foi ocupado pelo Instituto Vida Nova Pioneiro no incentivo a prática de exercícios físicos para as pessoas vivendo, o Vida Nova, localizado na Zona Leste de São Paulo, promove a possibilidade da prática semanal de atividades para seus usuários há mais de duas décadas. Dança, musculação e demais modalidades de exercícios são oferecidas e incentivadas pelo projeto.
“ A Academia Malhação Vida Nova surge a partir das reuniões que eu participava com o Programa Municipal de SP onde a gente discutia muito a questão da Lipodistrofia ( a lipodistrofia é uma alteração na distribuição da gordura corporal, que pode resultar na perda de gordura em algumas áreas do corpo (lipoatrofia) ou no acúmulo em outras (lipohipertrofia). Pode ser causada por condições genéticas (hereditárias), doenças autoimunes, ou ser adquirida como efeito colateral de tratamentos, como terapia antirretroviral (em pacientes com HIV). Então eu pensei o que poderiamos fazer para contribuir, minimizar esse dano por conta do advento dos antirretrovirais . Passamos a perceber que a prática de atividade física poderia contribuir para minimizar esse impacto. Na época os efeitos eram muito danosos. São mais de duas décadas com esse projeto.Com promoção da qualidade de vida pensando na prática de atividade física .Nesse período, aproximadamente participaram na academia em torno de 2000. Temos também atividades que colaboram com o processo: oficinas de nutrição,de adesão aos medicamentos. Ações conjuntas e complementares para promover saúde integral
Resistir com alegria
Voltando a Silvia, ela resume o que aprendeu em quase três décadas vivendo com o HIV: é preciso se mexer, do jeito que for possível. “Gosta de dançar, dança. Gosta de correr, corra. Gosta de malhar, malhe. Se não gostar de nada, faça um alongamento na cama. A gente só precisa se mexer.”
E completa com um recado:
“Não adianta só ir ao médico e tomar a medicação. A gente tem que cuidar da gente como um todo — corpo, mente e alma. Esse é o caminho para viver bem. Desejo muito que cada mulher vivendo com HIV se encontre em algum ‘estica e puxa’, caminhadas ou o que desejarem.”
Fonte: Agência Aids