Nasce a LUSO+: Rede Lusófona une países de língua portuguesa na luta contra o HIV/aids
Em meio à efervescência da Conferência Internacional de Aids que aconteceu em Munique, em julho de 2024, um marco histórico foi registrado para a resposta global ao HIV: nasceu oficialmente a ideia de criar a LUSO+, a Rede Lusófona de Pessoas Vivendo e Convivendo com HIV/Aids. A iniciativa, agora concreta, reúne ativistas de países de língua portuguesa com o objetivo comum de fortalecer a solidariedade, promover os direitos humanos e ampliar o acesso à saúde em contextos marcados por desigualdades e estigmas.
A criação da LUSO+ representa uma resposta à sub-representação dos países lusófonos nos espaços de decisão e nas estratégias globais de enfrentamento ao HIV. Com apoio da IAS (Sociedade Internacional de Aids), a articulação foi impulsionada por lideranças de Moçambique, Brasil, Angola e outros países da comunidade lusófona.
“A LUSO+ nasce do desejo de unir vozes e estratégias para enfrentar desafios comuns. Queremos visibilizar as realidades específicas dos nossos territórios, onde o HIV muitas vezes é agravado por estigmas de gênero, orientação sexual, raça e condição econômica”, afirma Henrique Ávila, um dos coordenadores globais da Rede, representando o Brasil ao lado de Jochua Muchanga, de Moçambique.
Lusofonia, horizontalidade e resistência
Entre os pilares da LUSO+ estão o respeito à diversidade, a defesa do sigilo e da confidencialidade, o combate à desinformação e o compromisso com a promoção dos direitos humanos. A Rede se compromete a criar espaços seguros de acolhimento, apoio psicossocial e mobilização coletiva, além de atuar como ponte entre seus membros e políticas públicas internacionais.
Segundo Henrique, a Rede surge com a proposta de garantir uma representação verdadeiramente horizontal entre os países lusófonos: “A LUSO+ surge com essa proposta de ouvir mesmo, ouvirmos as vozes, as diferenças. Embora nossas diferenças sejam enormes, há situações alarmantes, como em Angola e Moçambique, onde faltam insumos básicos, especialmente para as comunidades LGBTQIA+ e pessoas vivendo com HIV/aids, como preservativos, gel lubrificante e acesso a campanhas de prevenção. Até mesmo o direito à existência está ameaçado diante de uma guinada conservadora global — e nos países de língua portuguesa isso também se faz sentir.”
Diante desse cenário, a Rede tem buscado formas de apoiar ações de advocacy local e internacional: “Estamos trabalhando em estratégias que, com o mínimo de recursos, possam gerar o máximo de impacto nas ONGs e nos grupos que integram a rede em seus países”, explica Henrique.
A exclusão linguística como barreira política
Uma das principais bandeiras da LUSO+ é o enfrentamento à exclusão linguística nos espaços internacionais de decisão. “O primeiro passo é capacitar as representações para estarem nesses espaços onde o inglês é a língua comum. Também queremos incidir para garantir tradução simultânea, materiais em português e acessibilidade linguística em eventos e conferências. Afinal, somos milhões de pessoas que falam português no mundo, uma parcela significativa da população global em mais de 10 países e territórios”, afirma Henrique Ávila.
Ele antecipa que a Rede já está se preparando para a próxima edição da Conferência Internacional de Aids — com expectativa de acontecer no Rio de Janeiro. “Queremos garantir que haja um espaço específico para a comunidade lusófona, com sessões, debates e apresentações científicas em português. Isso é fundamental para fortalecer nossa voz”, destaca.
Diversidade, antirracismo e enfrentamento interseccional
Henrique também chama atenção para a importância de incorporar recortes étnico-raciais e sociais nas estratégias da Rede. “Eu moro em Salvador, a cidade mais preta fora da África. Isso nos dá uma análise mais aprofundada da realidade do racismo como determinante social no enfrentamento ao HIV, especialmente entre Brasil e Portugal. A epidemia de aids está atravessada por exclusões que afetam o acesso à saúde, à educação, ao idioma e aos espaços de decisão”, pontua.
A diversidade da diretoria também reforça esse compromisso. A coordenação de comunicação conta com Ton Shübber, artivista e comunicador da Bahia, e Marina Vergueiro, mulher bissexual e comunicadora de São Paulo. O ativista Austin Gil, de Angola, ficou responsável pela Coordenação de Advocacy e Governança. “São potências que vêm para somar. Estamos prestes a realizar uma nova reunião, onde novas pessoas da África e de Cabo Verde, inclusive mulheres trans, serão integradas à diretoria. Nossa força está na pluralidade”, celebra Henrique.
Uma construção coletiva, nascida da urgência
A gênese da LUSO+ foi marcada por desafios e persistência. “Sempre tivemos dificuldade de alinhar uma pauta comum entre as pessoas vivendo com HIV dos países de língua portuguesa, por conta das diferenças culturais e realidades locais. Em Munique, algumas ativistas financiadas pela conferência se reuniram e tomaram a decisão de criar essa rede. Percebemos a urgência de ter um grupo que represente nossas especificidades. Desde julho estamos trabalhando nisso, e agora a LUSO+ é realidade”, conclui Henrique.
Manifesto da Lusofonia: um chamado à união
Em documento manifesto lançado junto à criação da Rede, os fundadores reafirmam a urgência de fortalecer a cooperação entre os países lusófonos, reconhecendo a pluralidade das experiências, mas também os desafios comuns. O manifesto convoca governos, organismos internacionais e a sociedade civil a apoiarem iniciativas que promovam equidade, justiça social e saúde integral para pessoas vivendo com HIV/aids.
“Nosso idioma é o que nos conecta, mas é a luta por dignidade e justiça que nos move”, resume o manifesto.
Clique aqui e leia o manifesto na íntegra.
Fonte: Agência Aids