Modelo de IA identifica novos preditores de tuberculose ativa em pessoas vivendo com HIV, conta Medscape
Além da função imune e das variáveis sociodemográficas, o modelo de IA considerou diversos biomarcadores indicativos do bem-estar e do metabolismo dos pacientes.
Na Suíça e em outros países com bom acesso à terapia antirretroviral, a tuberculose é uma coinfecção rara, porém grave, em pessoas vivendo com HIV, frequentemente associada ao diagnóstico tardio da doença. Para prevenir a progressão para a tuberculose como doença ativa, indivíduos com ILTB podem receber tratamento profilático com isoniazida e/ou rifampicina.
Porém, a detecção da ILTB é desafiadora, especialmente em pessoas vivendo com HIV. Em uma análise suíça anterior, uma abordagem combinada usando ensaios de liberação de interferona gama (IGRA) e testes cutâneos de tuberculina identificou apenas 30% dos indivíduos que posteriormente apresentaram tuberculose ativa.
“Foi pior do que jogar cara ou coroa”, afirmou ao Medscape o Dr. Johannes Nemeth, médico assistente do departamento de infectologia e epidemiologia hospitalar da Universität Zürich, na Suíça.
O problema é que os exames dependem da resposta imune, que pode estar prejudicada. “Você interroga o próprio sistema que está funcionando mal durante a infecção pelo HIV; então, não é surpresa que os exames tenham um desempenho ruim”, explicou ele.
Isso levou o médico e seus colaboradores a buscarem maneiras alternativas de identificar pacientes em risco. Eles utilizaram dados do Swiss HIV Cohort Study, que engloba cerca de 70% das pessoas em tratamento para HIV no país.
Mais de 23 anos de dados foram analisados usando-se aprendizado de máquina, um subconjunto da IA que permite que computadores aprendam padrões a partir de dados e façam previsões sem serem explicitamente programados para cada tarefa. O aprendizado de máquina utilizado empregou um modelo de floresta de decisões aleatórias — um algoritmo que combina os desfechos de múltiplas “árvores” de decisão.
O modelo analisou dados coletados no momento do diagnóstico de HIV para prever a tuberculose ativa que ocorreu pelo menos seis meses depois. Em vez de analisar apenas variáveis que os pesquisadores consideravam potenciais fatores de risco, o modelo revisou todas as variáveis para as quais existiam dados suficientes.
“O que eu realmente gostei nessa abordagem de aprendizado de máquina é que jogamos todos os dados coletados na máquina e simplesmente perguntamos: ‘você consegue fazer algo com isso?’”, detalhou o pesquisador. “Acho que valeu muito a pena.”
A primeira iteração do modelo contou com 48 variáveis e apresentou uma sensibilidade de 70,1% e uma especificidade de 81,0%. Uma segunda versão simplificada manteve 20 variáveis —– tornando-a menos exigente em termos de computação de dados — e apresentou uma sensibilidade de 57,1% e uma especificidade de 77,8%.
Considerando que os exames biológicos apresentaram uma sensibilidade de 30% e uma especificidade de 94%, o Dr. Johannes considerou que isso “leva tudo o que existe por água abaixo”. O modelo não requer coleta de dados adicional, nem tem o custo do IGRA.
Como era de se esperar, as 20 variáveis consideravam parâmetros imunitários, marcadores hematológicos e fatores sociodemográficos, mas algumas foram mais surpreendentes: além de diversas variáveis relacionadas ao metabolismo (colesterol, lipoproteína de alta densidade, glicose e creatinina), também constavam entre as 20 o índice de massa corporal e a pressão arterial média.
Os pesquisadores observaram que a tuberculose está associada à desnutrição e afirmaram que alguns desses marcadores podem refletir perturbações metabólicas e comprometimento da massa muscular em pessoas com risco de tuberculose.
O modelo foi validado inicialmente em uma parcela da coorte suíça, na qual não havia sido treinado, e, mais tarde, em uma coorte na Áustria. Apesar dos muitos paralelos entre as duas coortes, o desempenho inicial na Áustria foi ruim.
Os pesquisadores perceberam que o problema decorria de diferentes padrões de migração entre os países: a maioria das pessoas com tuberculose na Suíça veio da África ao sul do Saara, ao passo que na Áustria, a maioria veio das antigas repúblicas soviéticas. Somente após adaptar as variáveis de etnia e região de nascimento, o modelo começou a funcionar efetivamente.
“Este é um alerta”, afirmou o Dr. Johannes. “Você vai para um cenário muito semelhante, com uma pequena diferença, e tudo para de funcionar. Com modelos de aprendizado de máquina, realmente precisamos ser cuidadosos e testá-los de forma vigorosa antes de confiarmos neles.”
A Dra. Emily Wong, que não participou do novo estudo e é médica e professora associada da University of Alabama, nos Estados Unidos, utilizou IA para auxiliar na interpretação de radiografias de tórax na África do Sul.
A pesquisa suíça “abre os olhos para a ideia de que, com conjuntos de dados muito grandes com muitas variáveis clínicas, é possível discernir padrões significativos e preditivos que preveem se alguém evoluirá com tuberculose”, afirmou ela ao Medscape.
O Dr. Johannes está trabalhando em um estudo de implementação no qual médicos cujos pacientes nunca foram testados para tuberculose serão randomizados para receber um lembrete de fazer o exame ou para receber um escore de risco baseado no modelo de aprendizado de máquina. Uma questão fundamental é se esta última opção será suficiente para convencer os médicos a tomarem medidas adicionais, como oferecer terapia profilática.
A Dra. Emily observou que os potenciais riscos (como hepatotoxicidade) e benefícios da quimioprofilaxia precisam ser avaliados para cada paciente, mas um modelo de aprendizado de máquina pode ajudar os médicos nessa avaliação.
“A ideia de que, no futuro, com base em informações clínicas e demográficas importantes de uma pessoa, e talvez incluindo sua radiografia de tórax ou seu IGRA, ou talvez não, teremos uma ferramenta de tomada de decisão clínica funcional que orientará um profissional de saúde a tomar decisões para a prevenção da tuberculose em seu paciente é definitivamente um objetivo valioso”, concluiu ela.
O estudo foi financiado pela Schweizerische Nationalfonds. O Dr. Johannes Nemeth informou receber honorários por apresentações da Oxford Immunotec e da ViiV.