Infectologista Alessandro Pasqualotto alerta que a histoplasmose está afetando pessoas com aids e que a adoção do teste de antígeno na urina é crucial para salvar vidas

Precisamos falar sobre histoplasmose e aids. É com essa preocupação que o infectologista Alessandro Pasqualotto, chefe do serviço de infectologia da Santa Casa de Porto Alegre e presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia, alerta as autoridades de saúde sobre a ameaça dessa doença fúngica, que tem afetado em especial pessoas vivendo com aids. “Dados recentes mostram que a histoplasmose mata mais pacientes com aids nas Américas do que a tuberculose, um dado alarmante que exige maior atenção,” afirmou o especialista. “Quanto mais baixa a contagem de células CD4, maior é a probabilidade de se tratar de histoplasmose, na comparação com tuberculose. Mas muitos médicos desconhecem a histoplasmose, e acabem tratando estes pacientes equivocadamente para tuberculose”, complementa Dr. Pasqualotto.

A histoplasmose é uma infecção causada pelo fungo Histoplasma capsulatum, encontrado no solo, especialmente em áreas contaminadas por fezes de aves ou morcegos. O fungo foi mais estudado no vale do rio Mississippi, nos Estados Unidos, mas hoje já se espalhou por todo o mundo, incluindo o Brasil.

A infecção acontece quando esporos do fungo são inalados, e esses esporos são frequentemente encontrados no ar, especialmente quando o solo contaminado é perturbado. Por vezes, a contaminação pode se dar a partir de ninhos de pássaros perto de sistemas de ar condicionado, ou mesmo após visita a cavernas ou limpeza de galinheiros.

Os sintomas variam conforme a quantidade de fungos inalados, o sistema imune do paciente e, consequentemente, a gravidade da infecção, podendo incluir:

– Leve a moderado: Tosse, febre e fadiga, além de dores musculares, nas articulações e no peito. Mais comuns em pacientes imunocompetentes, nos quais a doença pode se resolver espontaneamente, mesmo sem tratamento.

– Grave: Em pacientes com as defesas mais baixas, a doença costuma disseminar. O quadro clínico costuma ser de lenta evolução (semanas), com dificuldade respiratória, sudorese noturna, perda de peso, diarreia ou sangramentos. Em situações extremas, a infecção pode se espalhar para outras partes do corpo, com elevada mortalidade. Comumente o fungo se espalha para a pele e mucosas.

A histoplasmose é especialmente preocupante em pessoas com o sistema imunológico comprometido, como aquelas vivendo com HIV/aids. “Essas pessoas têm um sistema imunológico enfraquecido, principalmente quando os níveis de células CD4 caem abaixo de 200 células/mm³, tornando-as mais vulneráveis a várias infecções oportunistas, como a histoplasmose”, explica o médico em entrevista à Agência Aids.

“Um estudo recente revelou que 22% dos pacientes vivendo com HIV apresentando febre e hospitalizados no Brasil tinham histoplasmose, quando testados com um exame mais sensível, como a pesquisa de antígeno de Histoplasma na urina. Em algumas cidades, como Goiânia, Fortaleza e Natal, esses índices ultrapassam 40%. Isso evidencia a alta prevalência da doença em nosso país, e a necessidade urgente de melhorias no diagnóstico. Além disso, casos de histoplasmose não são notificados compulsoriamente no Brasil, o que faz com que a real frequência da doença seja desconhecida em grande parte do país”, afirma o Dr. Alessandro.

Diagnóstico

O especialista também chama atenção para a importância do diagnóstico, que costuma ser mais complexo, pois os sintomas podem se confundir com outras infecções, especialmente tuberculose. “Diagnosticar a histoplasmose é um grande desafio. O fungo pode demorar semanas para crescer em cultura, e os pacientes podem necessitar de exames invasivos para o diagnóstico. Com isso, a doença frequentemente é identificada tardiamente, quando já está disseminada, aumentando a mortalidade, que pode passar dos 40-50%.”

Incorporação de um novo teste no SUS pode salvar vidas

Na avaliação do médico, a realidade poderia ser diferente “se tivéssemos no SUS a introdução do teste de antígeno de Histoplasma na urina, que possui sensibilidade e especificidade superiores a 95%, com possibilidade de diagnóstico no mesmo dia. Isso poderia revolucionar o diagnóstico e, consequentemente, os resultados do tratamento.”

“É essencial que a sociedade civil tome consciência da gravidade dessa questão e apoie a incorporação do teste pelo SUS. Um estudo de custo-efetividade na América Latina mostrou que 17% das mortes relacionadas à aids poderiam ser evitadas com a introdução desse teste, com um custo de apenas 26 dólares por ano de vida salva. Precisamos mudar esse cenário. Enquanto a tuberculose possui recursos e programas governamentais bem definidos, as doenças fúngicas seguem sendo negligenciadas.”

Sobre o tratamento, Dr. Alessandro menciona que geralmente envolve antifúngicos sistêmicos, como a anfotericina B, seguido de terapia de manutenção com itraconazol, por um ano, para prevenir recidivas. “Embora o Brasil disponha de tratamento moderno para a histoplasmose pelo SUS, como a anfotericina B lipossomal, a liberação do antifúngico é condicionada ao diagnóstico de histoplasmose. Uma vez que não dispomos do antígeno urinário no SUS, os diagnósticos costumam ocorrer em estágios muito avançados da doença, elevando a mortalidade. Pesquisadores têm enfrentado dificuldades para incorporar esse teste no SUS, apesar de sua evidente importância. Para pessoas com aids, o tratamento antifúngico deve ser prolongado, e é geralmente associado ao tratamento antirretroviral para controlar o HIV.”

Prevenção

Embora a prevenção da histoplasmose em pessoas com HIV/aids possa incluir o uso de profilaxia antifúngica em áreas onde a doença seja comum, especialmente para aqueles com contagens de CD4 muito baixas, a estratégia mais defendida envolve o diagnóstico precoce de pacientes com suspeita de doença disseminada. Neste sentido, segundo o médico, é consenso mundial que o diagnóstico deva se basear na detecção de antígeno de Histoplasma na urina, algo que ainda não dispomos no SUS. Além disso, o início precoce de terapia antirretroviral (TAR) é fundamental, visando restaurar a função imunológica e a possibilidade de novas doenças oportunistas.

“O Brasil tem sido reconhecido mundialmente pelos avanços significativos no combate à aids. No entanto, muitos desafios ainda permanecem. Muitos pacientes são diagnosticados em estágios avançados da doença. Embora a adesão à terapia antirretroviral tenha melhorado, ainda é insuficiente, com taxas de retenção no tratamento abaixo das metas estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O abandono do tratamento e a dificuldade de retenção dos pacientes no sistema, por diversos motivos, levam muitos a chegar aos serviços de saúde com contagens de células CD4 muito baixas, aumentando o risco de doenças oportunistas,” conclui o infectologista.

Fonte: Agência AIDS

Imagem: MEDICINA S/A