HTLV-1: Cientistas identificam 1º tratamento para prevenir vírus ‘primo’ do HIV
Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Médica Walter e Eliza Hall (WEHI) e do Instituto Doherty descobriram que os medicamentos existentes contra o HIV podem suprimir a transmissão do vírus HTLV-1, sigla para vírus linfotrópico de células T humanas, em camundongos. O estudo, publicado na revista científica Cell, pode levar aos primeiros tratamentos do mundo para prevenir a disseminação deste vírus.
“Nosso estudo marca a primeira vez que um grupo de pesquisa conseguiu suprimir esse vírus em um organismo vivo”, diz o médico Marcel Doerflinger, coautor principal e chefe do laboratório WEHI, em comunicado.
O HTLV é um vírus “primo” do HIV, causador da Aids. Cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com o vírus subtipo 1 (existem 4 no total) desse vírus, que infecta o mesmo tipo de célula que o HIV – as células T, um tipo de célula imune sanguínea que ajuda o corpo a combater infecções. Estima-se que até 2,5 milhões de brasileiros estejam infectados com ele, o que faz do Brasil um dos países com mais casos no mundo.
Assim como o HIV, o HTLV pode ser transmitido por sexo sem proteção, sangue contaminado, agulhas infectadas e de mãe para filho. Uma pequena proporção de pessoas infectadas pelo HTLV-1, após um longo período de infecção desenvolve doenças graves, como leucemia de células T do adulto e inflamação da medula espinhal. Apesar dessa infecção ameaçar a vida, o HTLV-1 continua sendo uma doença pouco compreendida, sem tratamentos preventivos nem cura. Por isso o novo estudo é tão importante.
Em um esforço de pesquisa que durou 10 anos, a equipe colaborativa isolou o vírus e desenvolveu um modelo de camundongo humanizado, o primeiro do mundo, para o HTLV-1, que lhes permitiu estudar como o vírus se comporta em um organismo vivo com um sistema imunológico semelhante ao humano.
Os camundongos foram transplantados com células imunes humanas suscetíveis a infecções por HTLV-1, incluindo a cepa geneticamente nova de HTLV-1 da Austrália. Cepas internacionais e australianas causaram igualmente leucemia e doença pulmonar inflamatória nesses camundongos com sistema imunológico humano.
Os camundongos foram então tratados com tenofovir e dolutegravir – duas terapias antivirais atualmente aprovadas para silenciar o HIV e prevenir a Aids. Os resultados mostraram que ambos os medicamentos também podem suprimir poderosamente o HTLV-1.
“Como os sintomas do HTLV-1 podem levar décadas para aparecer, quando a pessoa descobre que tem a infecção, o dano imunológico já está em pleno andamento. Suprimir o vírus na transmissão nos permitiria detê-lo antes que ele tenha a chance de causar danos irreversíveis à função imunológica, levando à doença e à morte prematura.”, explica Doerflinger.
Em outra descoberta notável, a equipe descobriu que células humanas contendo HTLV-1 poderiam ser seletivamente mortas quando camundongos eram tratados com medicamentos para HIV em combinação com outra terapia que inibia uma proteína (MCL-1) conhecida por ajudar células nocivas a se manterem vivas.
A equipe agora está utilizando terapias de RNA de precisão para desenvolver novas maneiras de atingir o MCL-1 e estabelecer tratamentos combinados que podem ser testados clinicamente, o que eles acreditam que pode oferecer uma estratégia curativa promissora para o HTLV-1.
“O mais empolgante é que esses antivirais já estão em uso em milhões de pacientes com HIV, o que significa que há um caminho direto para a tradução clínica de nossas descobertas”, ressalta Doerflinger. “Não precisaremos começar do zero porque já sabemos que esses medicamentos são seguros e eficazes. E agora demonstramos que seu uso pode muito provavelmente ser estendido ao HTLV-1.”
A equipe de pesquisa está atualmente em negociações com as empresas responsáveis pelos antivirais para HIV utilizados neste estudo, para verificar se pacientes com HTLV-1 podem ser incluídos em seus ensaios clínicos em andamento. Se bem-sucedidos, isso abrirá caminho para que esses medicamentos se tornem a primeira profilaxia pré-exposição aprovada contra a aquisição do HTLV-1.