Hepatoaids: Infectologista Rico Vasconcelos afirma que o mundo já tem as ferramentas necessárias para eliminar a transmissão sexual do HIV
Durante o primeiro dia da 18ª edição da Hepatoaids — evento que reúne médicos, ativistas e pesquisadores para debater os desafios e avanços na saúde de pessoas que vivem com HIV/aids — o pesquisador e infectologista Rico Vasconcelos, do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, apresentou dados importantes sobre a prevenção do HIV, com foco especial na PrEP injetável cabotegravir.
Em sua palestra no simpósio satélite, Rico trouxe uma análise atualizada da situação epidemiológica do HIV no Brasil e no mundo. Um dos dados mais marcantes apresentados foi o contraste entre a tendência global e a realidade latino-americana. “No mundo como um todo, tivemos uma diminuição de 39% entre 2010 e 2023 nos novos casos de HIV/aids. Mas, na América Latina, tivemos um aumento de 9%. Ou seja, o mundo está andando para frente e a América Latina para trás”, afirmou.
No Brasil, segundo ele, as notificações de novos casos se mantêm relativamente estáveis desde 2013. Mas essa estabilidade, alertou, pode enganar. “Esses números escondem realidades diferentes: os casos vêm caindo em alguns grupos e aumentando em outros. Ou seja, a epidemia ainda está crescendo entre populações mais vulneráveis, e isso precisa ser enfrentado com políticas específicas”, explicou.
Na parte central da sua fala, o médico destacou as estratégias de prevenção. Reforçou que o preservativo continua sendo uma ferramenta essencial, mas ressaltou que seu uso está longe de ser universal. “A camisinha é excelente para evitar a transmissão do HIV e outras ISTs, mas só funciona quando usada. E, segundo a última pesquisa nacional de 2019, cerca de 59% das pessoas disseram não ter usado camisinha nos últimos 12 meses. Ou seja, não podemos depender exclusivamente dela. Precisamos de métodos auxiliares.”
Foi nesse ponto que ele introduziu as profilaxias pré e pós-exposição — as chamadas PrEP e PEP — como alternativas fundamentais na prevenção do HIV. “A PrEP é boa para quem usa, e ela está disponível. Mas não conseguimos acabar com uma epidemia através dela, porque ela não caiu no uso popular”, afirmou.
Vasconcelos explicou que os primeiros estudos com profilaxias trouxeram uma descoberta importante: a baixa adesão era o maior obstáculo. “Nos primeiros estudos, vimos que a eficácia da PrEP era altíssima. Então, por que algumas pessoas ainda se infectavam? O motivo é simples: se você leva a PrEP para casa e não toma, ela não resolve nada.”
A partir dessa observação, ele apresentou o cabotegravir como uma solução promissora. “A PrEP injetável mostrou, nos estudos, uma adesão maior do que a oral. Isso pode resolver boa parte desse problema”, disse. Ele citou os estudos HPTN 083 e 084, que avaliaram diferentes públicos. O primeiro envolveu homens gays e mulheres trans; o segundo, mulheres cisgêneras heterossexuais na África.
Os resultados, segundo dr. Rico, foram claros. “O estudo 083 mostrou que houve 66% menos infecções por HIV entre quem usou o cabotegravir comparado à PrEP oral. No estudo 084, essa diferença foi ainda maior: 89% a menos entre as mulheres que usaram a injeção.”
Além disso, os efeitos adversos relatados foram considerados leves. “O efeito mais relatado foi uma dor muscular no local da aplicação, que na maioria dos casos foi resolvido com compressa morna ou medicação. Bem mais simples de lidar do que os raros, mas possíveis, efeitos renais da PrEP oral”, observou.

Ricardo Vasconcelos apresenta slide sobre ‘Novos casos de infecção por HIV no mundo’
Apesar da empolgação com os dados, o pesquisador também abordou os desafios. “As PrEPs não estão chegando nas populações mais vulneráveis, como pessoas trans, travestis e jovens com pouco acesso à rede de saúde. E se a taxa de adesão aos métodos de prevenção é tão importante, nada mais lógico do que deixarmos a escolha para quem precisa, entre oral e injetável, com base no que a pessoa acredita que conseguirá seguir melhor.”
Durante a sessão de perguntas, o pesquisador afirmou que ainda não há uma definição sobre como o cabotegravir será incorporado ao SUS, nem quais grupos terão acesso primeiro — principalmente por causa do alto custo. Mesmo assim, mostrou-se otimista. “Quando a PrEP oral foi lançada, também não estava disponível para todo mundo. Mas, seis anos depois, já temos um cenário muito diferente. Esperamos que o mesmo aconteça com o cabotegravir.”
Para encerrar, ele fez um apelo aos profissionais de saúde. “Nem sempre o que a gente acha que é melhor para o paciente é o que realmente é. Precisamos ouvi-los. Se a camisinha não serve para ele, temos outros métodos para impedir a infecção pelo HIV — e ele precisa poder escolher aquele com que vai se comprometer.”
Com o avanço das tecnologias e o fortalecimento das políticas públicas, Ricardo Vasconcelos acredita que já temos, hoje, todas as ferramentas necessárias para eliminar a transmissão sexual do HIV. O desafio, agora, é fazer com que elas cheguem a quem mais precisa — e sejam usadas de fato.
Fonte: Agência Aids