Hepatoaids: “Cuidar é mais do que medicar”: Infectologista Ronaldo Hallal propõe prevenção positiva como resposta ao HIV

Durante a 18ª edição do Hepatoaids, em São Paulo, o infectologista Ronaldo Hallal, coordenador médico da AHF no Brasil, defendeu um olhar mais humano e completo sobre o cuidado com pessoas que vivem com HIV e aids no Brasil. Para ele, não basta pensar apenas na carga viral ou em números de adesão ao tratamento: é preciso enxergar o indivíduo por trás do diagnóstico.

Hallal, que já foi assessor técnico do Ministério da Saúde, destacou que ainda existe muito preconceito quando o assunto é HIV. “A gente ainda vive um cenário pesado de estigma. Pessoas com HIV muitas vezes têm medo de contar sobre seu diagnóstico, justamente por causa do preconceito que podem sofrer”, afirmou.

Ele propôs o resgate de uma abordagem chamada prevenção positiva — um modelo que vai além da parte médica e inclui também o bem-estar, os direitos, a saúde mental e o combate ao preconceito. A ideia é: se a pessoa não se sente segura, respeitada e amparada, ela pode acabar abandonando o tratamento, mesmo tendo acesso aos remédios.

Segundo Hallal, muitas dessas pessoas lidam com problemas que o consultório sozinho não dá conta de resolver. Falta de transporte, insegurança no trabalho, dificuldade de conseguir comida ou até medo de serem reconhecidas ao buscar ajuda. “Tem gente que não consegue nem chegar ao posto de saúde porque não tem passagem ou porque não pode faltar ao trabalho informal sem ser penalizada. Isso tem impacto direto na continuidade do tratamento”, explicou.

Um dos pontos que ele mais destacou foi o direito das mulheres com HIV de amamentarem. Hallal contou o caso de uma paciente com carga viral indetectável que desejava amamentar seu filho, mas foi desencorajada por medo de problemas legais — mesmo com evidências científicas mostrando que o risco de transmissão, nesses casos, é extremamente baixo. “Esse tipo de limitação mostra como ainda falta informação, empatia e confiança”, disse.

Hallal também chamou atenção para o envelhecimento das pessoas com HIV. Com o avanço dos tratamentos, hoje muitas delas têm mais de 50 anos — o que traz novos desafios de cuidado e qualidade de vida. “Estamos falando de gente que quer viver bem, amar, trabalhar, ser feliz. E isso passa por uma política de saúde que respeite essas necessidades.”

Ao fim da apresentação, o gerente do Centro de Referência e Defesa da Diversidade Brunna Valin, Eduardo Barbosa, pediu a palavra para reforçar a importância do que havia sido dito — trazendo um relato direto da realidade de populações vulneráveis em São Paulo.

“Algumas pessoas em situação de rua, principalmente pessoas trans e travestis, guardam a medicação antirretroviral dentro de bueiro, escondendo, para não terem roubado ou levado nos rapas. A mesma gestão pública que fornece os remédios é, muitas vezes, a que joga fora esses mesmos medicamentos durante ações de repressão nas ruas.”, contou Eduardo.

Eduardo Barbosa discursa ao final da conferência ao lado de Rosa Alencar, diretora-adjunta do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP, e Ronaldo Hallal.

Ele também criticou o estigma ainda presente nos serviços de saúde. “Tem gente que não vai ao posto porque, ao entrar, já vão associar sua identidade LGBT à questão do HIV. Isso ainda acontece demais. Precisamos de mais acolhimento, e não julgamento”, completou.

Para ambos, a resposta brasileira à epidemia precisa ser renovada, com base na escuta ativa, na ciência, na ética e nos direitos humanos. “A prevenção positiva é sobre isso: cuidar de verdade, para que todo mundo tenha o direito de viver com dignidade”, concluiu Hallal.

Fonte: Agência Aids