Ganho de peso pode comprometer qualidade de vida e adesão ao tratamento de pessoas vivendo com HIV, revela estudo
Estudo publicado na revista Aids Care aponta que o ganho de peso associado ao uso da terapia antirretroviral (TARV) pode comprometer significativamente a qualidade de vida de pessoas vivendo com HIV. A pesquisa revelou que 24% dos participantes ganharam 5% ou mais de peso em um ano de tratamento — grupo que também apresentou pior qualidade de vida e menor adesão à TARV.
A TARV é considerada o principal método para controle do HIV, sendo responsável por suprimir a carga viral e permitir uma vida longa e saudável às pessoas vivendo com HIV/aids. No entanto, efeitos colaterais como o ganho de peso têm despertado atenção da comunidade científica por seu impacto físico, psicológico e social. Segundo dados da Associação Internacional de Prestadores de Cuidados para Aids (IAPAC), 1 em cada 6 pessoas que iniciam a TARV pode engordar até 10% do peso corporal nos dois primeiros anos.
Com o objetivo de entender melhor essa associação, o estudo observacional retrospectivo utilizou dados do Adelphi Real-World HIV Disease Specific Programme entre junho de 2021 e julho de 2022. Foram avaliados 225 pacientes com HIV em supressão viral, acompanhados por 49 médicos dos Estados Unidos. A amostra foi composta majoritariamente por homens cisgêneros (73,8%), brancos (57,8%) e com média de idade de 44,7 anos.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles com ganho de peso igual ou superior a 5% e aqueles com ganho inferior. Entre os que ganharam mais peso, observou-se uma pontuação média de qualidade de vida de 65,6, enquanto no grupo com menor ganho a pontuação foi de 74,4 — uma diferença estatisticamente significativa. A adesão ao tratamento também foi afetada: os que engordaram mais apresentaram menor escore de adesão.
Além disso, esse grupo apresentou maiores índices de comorbidades, como hipertensão (32,9%) e dislipidemia (27,6%). Também foi mais comum o uso de medicamentos como anti-hipertensivos, estatinas, antidepressivos e remédios para dormir.
Os autores reconhecem limitações no estudo, como o predomínio de homens na amostra, dificultando a avaliação de diferenças de gênero, e a exclusão de pessoas que não estavam em dia com as consultas médicas. A disposição dos participantes em responder aos questionários também pode ter afetado os resultados.
Apesar disso, os pesquisadores destacam a importância de considerar o controle de peso no manejo clínico de pessoas vivendo com HIV. “Os resultados deste estudo ressaltam a importância crucial de monitorar o peso e considerar o controle do peso no manejo [de pessoas vivendo com HIV], incluindo a seleção de opções de TARV adequadas”, escreveram.
O estudo reforça a necessidade de um olhar mais atento para os efeitos adversos da TARV e como eles influenciam o bem-estar e a continuidade do tratamento. Para os especialistas, mais pesquisas são necessárias para acompanhar a evolução da qualidade de vida ao longo do tempo em pacientes que enfrentam esse desafio metabólico.
Para comentar o tema, a Agência Aids entrevistou Alexandre Gadducci, doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, com foco em Gastroenterologia, e profissional de Educação Física com ampla experiência na prescrição de exercícios físicos voltados à reabilitação e à qualidade de vida de pessoas com condições clínicas complexas. Gadducci tem se dedicado à integração entre atividade física, saúde metabólica e cuidado interdisciplinar, especialmente em populações com maior vulnerabilidade.
Agência Aids: Por que a prática de exercícios é importante para quem vive com HIV e ganhou peso após o início do tratamento?
Alexandre Gadducci: Com a chegada dos antirretrovirais, muitas pessoas com HIV passaram a ganhar peso, especialmente gordura na região abdominal. Isso acontece por vários motivos: melhora da saúde geral, fim de infecções oportunistas e alguns tipos de medicamentos, como os inibidores de integrase e o tenofovir alafenamida, que favorecem esse ganho.O problema é que esse peso extra aumenta o risco de doenças como diabetes, pressão alta e problemas no coração. A boa notícia é que a prática regular de exercícios ajuda a:
* Reduzir a gordura corporal e aumentar a massa muscular;
* Melhorar o controle do colesterol e da glicose;
* Diminuir a inflamação do corpo;
* Aumentar o bem-estar físico e emocional;
* Melhorar a qualidade de vida e a autoestima.
Mesmo exercícios simples, feitos em casa ou na comunidade, já trazem ótimos resultados.
Agência Aids: Para quem está sedentário há muito tempo, por onde começar?
Alexandre Gadducci: O ideal é começar com uma avaliação médica para saber como está a saúde e se há alguma limitação. Depois, atividades leves como caminhada já ajudam bastante. O importante é ir com calma, respeitar os próprios limites e, se possível, contar com o apoio de um profissional de educação física.
Comece devagar, com o que for possível. Caminhadas curtas, exercícios em casa com vídeos ou apps e, aos poucos, vá aumentando a frequência e a intensidade.
Agência Aids: Existe um exercício melhor para perder peso? Caminhada, dança, musculação…?
Alexandre Gadducci: Todos ajudam, mas a combinação de exercícios aeróbicos (como caminhada ou dança) com exercícios de força (como musculação) é a mais eficaz para reduzir gordura e melhorar a saúde geral.
A caminhada é uma ótima opção para começar. Já o treino de força é excelente para melhorar a forma do corpo, ganhar massa muscular e ajudar na autoestima.
Agência Aids: Com que frequência a pessoa deve se exercitar para ver resultados?
Alexandre Gadducci: O ideal é fazer pelo menos 150 minutos por semana de atividade moderada (por exemplo, 30 minutos por dia, 5 vezes por semana). E incluir 2 dias de treino de força.
Os benefícios começam a aparecer a partir de 4 semanas, e em cerca de 8 a 16 semanas já é possível notar mudanças na composição corporal, disposição, humor e saúde em geral.
Agência Aids: E quem tem outras doenças, como pressão alta ou colesterol alto? Pode fazer exercício?
Alexandre Gadducci: Sim! Na verdade, o exercício é altamente recomendado. Ele ajuda a controlar a pressão, o colesterol e a glicose. Claro, os treinos devem ser adaptados e sempre com orientação de um profissional. Mas é possível, seguro e traz muitos benefícios.
Agência Aids: Como a atividade física pode ajudar na autoestima de quem vive com HIV?
Alexandre Gadducci: O exercício melhora o corpo, a disposição e o humor. Com isso, a pessoa se sente mais confiante, com mais energia para as tarefas do dia a dia e mais satisfeita com sua aparência. Além disso, alivia a ansiedade, o estresse e os sintomas da depressão. Tudo isso contribui para melhorar a autoestima.
Agência Aids: Como manter a motivação para continuar se exercitando?
Alexandre Gadducci: Algumas dicas importantes:
* Conte com um profissional que te acompanhe e te motive;
* Escolha atividades que você goste;
* Foque nos benefícios que já sente no corpo e na mente;
* Estabeleça metas possíveis e comemore pequenas conquistas;
* Se puder, treine com um amigo ou em grupo – isso ajuda muito na motivação.
Agência Aids: É necessário fazer avaliação antes de começar a se exercitar?
Alexandre Gadducci: Sim. É muito importante passar por uma avaliação com um médico e, se possível, com um profissional de educação física. Eles vão ver se há alguma limitação, ajustar a intensidade dos exercícios e acompanhar seu progresso com segurança.
Agência Aids: Como os profissionais de saúde e de educação física podem trabalhar juntos?
Alexandre Gadducci: Essa parceria é essencial. O profissional de saúde avalia o estado clínico da pessoa, enquanto o profissional de educação física planeja o melhor tipo de exercício. Trabalhando juntos, eles garantem que a atividade física seja segura, eficiente e bem adaptada à realidade de quem vive com HIV. Isso aumenta a adesão ao tratamento e à prática de exercícios, melhorando muito a qualidade de vida.
Agência Aids: Que mensagem você deixa para quem quer mudar, mas não sabe por onde começar?
Alexandre Gadducci: Comece aos poucos. Procure ajuda profissional. Encontre uma atividade que você goste. Use aplicativos, vídeos, faça em casa, na praça, com amigos. O mais importante é dar o primeiro passo. Pequenas mudanças já fazem diferença.
Fonte: Agência Aids