Duas doses da vacina contra o HPV protegem tanto quanto três em mulheres com HIV, indica estudo belga

Uma pesquisa publicada na revista Clinical Infectious Diseases demonstrou que duas aplicações da vacina nonavalente Gardasil9 geram resposta imunológica idêntica ao regime padrão de três doses em mulheres que vivem com HIV e mantêm carga viral controlada. O ensaio clínico, coordenado pela infectologista belga Dra. Deborah Konopnicki, desafia a orientação atual da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda três doses para pessoas com HIV por temer respostas imunes reduzidas.

O que motivou o estudo

O papilomavírus humano (HPV) engloba dezenas de genótipos — alguns causam verrugas genitais, outros estão ligados a cânceres de colo do útero, ânus, pênis e orofaringe. A vacina atua de forma preventiva: prepara o sistema imune antes do primeiro contato sexual, motivo pelo qual é aplicada a partir dos nove anos. Para pessoas que vivem com HIV, porém, a OMS adota cautela extra e sugere um cronograma de três doses.

Como a pesquisa foi conduzida

Entre março de 2019 e julho de 2022, 167 mulheres de 15 a 40 anos em tratamento antirretroviral foram recrutadas no Hospital Universitário Saint‑Pierre, em Bruxelas. Todas apresentavam carga viral inferior a 400 cópias/ml nos seis meses anteriores e contagem média de CD4 em 649 células/mm³ — patamar considerado saudável.

* Randomização: 100 participantes foram distribuídas aleatoriamente para receber duas ou três doses (0 e 6 meses vs. 0, 2 e 6 meses).
* Casuística adicional: outras 67 mulheres, não randomizadas, receberam o mesmo esquema e serviram para confirmar tendências.
* Seguimento: mais de 90 % das inscritas completaram o calendário vacinal; nenhuma havia sido imunizada previamente contra HPV.

Resultados principais

Não houve diferença estatística na produção de anticorpos entre as duas estratégias. Além disso, as concentrações obtidas se equipararam às de mulheres sem HIV em estudos anteriores, sinalizando integridade imunológica das participantes.

Não foram registrados eventos graves. Entretanto, dor e inchaço no local da injeção ocorreram com maior frequência e duração no grupo de três doses, assim como relatos de fadiga.

Impacto potencial

A constatação de que duas doses bastam tem implicações práticas:

* Custos menores: uma aplicação a menos reduz o preço final para pacientes adultos, que em muitos países pagam pela vacina.
* Facilidade de agenda: mulheres em acompanhamento semestral poderiam sincronizar as duas doses com consultas de rotina, evitando deslocamentos extras.
* Menos desconforto: número menor de injeções significa redução de efeitos locais.

O trabalho não avaliou homens vivendo com HIV, grupo que alguns estudos apontam como tendo resposta imune ligeiramente inferior mesmo com três doses. “Precisamos de ensaios semelhantes em populações masculinas para confirmar se o regime reduzido oferece a mesma proteção”, ressalta Konopnicki no artigo.

Apesar dos avanços em campanhas neutras em gênero na Europa Ocidental e América do Norte, mais da metade dos países ainda não inclui meninos nos calendários. Nos homens que praticam sexo anal, 90 % dos cânceres anais estão ligados ao HPV — lacuna que reforça a urgência de ampliar o acesso.

O ensaio belga sugere que, em mulheres com HIV bem controlado, duas doses da Gardasil9 conferem proteção equivalente à de três, com menos reações adversas e menor custo. Caso confirmada por estudos adicionais, a evidência pode levar a uma atualização das diretrizes da OMS e facilitar a expansão da imunização contra o HPV em populações vulneráveis.

Fonte: Agência Aids com informações do Aidsmap