Brasil é certificado pela OPAS/OMS pela eliminação da transmissão vertical do HIV, e ex-diretores do Departamento de Aids celebram marco histórico do SUS
O Brasil recebeu a certificação oficial da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) pela eliminação da transmissão vertical do HIV como problema de saúde pública. O reconhecimento marca um dos feitos mais significativos das quatro décadas da resposta brasileira ao HIV/aids e consolida a liderança do país em políticas públicas de prevenção, cuidado e tratamento.
A certificação foi confirmada após avaliação do Global Validation Advisory Committee (GVAC), que analisou dados epidemiológicos, indicadores nacionais e a integração entre pré-natal, assistência ao HIV e cobertura de tratamento. O Brasil apresentou taxas de transmissão vertical sistematicamente abaixo de 2% e incidência de infecção em crianças inferior a 0,5 caso por mil nascidos vivos — parâmetros exigidos pela OMS. Além disso, ultrapassou 95% de cobertura em pré-natal, testagem e tratamento das gestantes que vivem com HIV.
Ex-diretores do antigo Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais — protagonistas na construção histórica da política brasileira — celebraram o anúncio e destacaram os pilares que sustentaram a conquista: o SUS, a legislação que garante acesso universal ao tratamento, a integração entre políticas setoriais e a mobilização social.
“Mais que um dado estatístico, é a prova de uma política de Estado”, diz Alexandre Grangeiro

Para o pesquisador e sociólogo Alexandre Grangeiro, que esteve à frente do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde entre 2003 e 2004, a certificação representa um marco que ultrapassa o campo técnico.
“Comemoro a eliminação da transmissão vertical do HIV não apenas como um dado estatístico, mas como um marco dos 40 anos da nossa resposta federal à epidemia. Mais que uma coincidência temporal, este feito é a prova de uma política de Estado resiliente.”
Ele destacou que o avanço tem peso ainda maior em um país continental e desigual como o Brasil. “Meu primeiro pensamento se dirige às milhares de pessoas que vivem com HIV por transmissão vertical. Esta conquista não reescreve o passado; a resiliência dessas pessoas e das suas famílias permanece como um lembrete vivo da nossa responsabilidade de proteger cada vida, sem exceção.”
Grangeiro lembra que o resultado só foi possível graças à integração entre serviços e à continuidade das políticas públicas. Mas reforça que o país ainda tem desafios importantes: “Mulheres continuam a ser infectadas, vulnerabilizadas por assimetrias de gênero, violência e racismo. A meta de 2030 cobra-nos urgência na eliminação dessas e de outras transmissões do HIV, assim como das mortes evitáveis por aids. Que esse marco reafirme: com vontade política, técnica e alocação de recursos, somos capazes de garantir futuras gerações livres do HIV.”
Dra. Adele Benzaken relembra trajetória que começou há uma década: “tijolo com tijolo”

Para a infectologista Adele Benzaken, que esteve à frente do Departamento de IST, Aids e Hepatites Virais de 2016 a janeiro de 2019 e participou dos primeiros processos de certificação internacional, o reconhecimento ao Brasil coroa um trabalho construído com planejamento e persistência.
“Eu participei dos primórdios como representante do Brasil na OPAS, da questão da certificação. Eu fui vice-presidente do Comitê de Certificação, que há 10 anos atrás certificou Cuba como o primeiro país das Américas a eliminar a transmissão vertical da sífilis e do HIV.”
Ela recorda a estratégia de certificar municípios brasileiros como parte do caminho rumo à eliminação nacional. “Essa ideia de certificação dos municípios, ela foi nossa quando nós utilizamos os mesmos instrumentos da OPAS para certificar os municípios de mais de 100 mil habitantes no Brasil.
Mas isso era com a ideia visando a eliminação da transmissão vertical do HIV para o Brasil inteiro. É uma forma de estimular os municípios a se organizarem e poderem chegar ao patamar da eliminação.”
Dra. Adele destaca que Curitiba foi pioneira no país e que a certificação nacional é fruto de uma longa construção: “O Brasil se estruturou de uma forma tijolo com tijolo, num modelo lógico, para esse dia de chegar à eliminação vertical do HIV em todo o país.”
Dr. Pedro Chequer: avanço só foi possível graças ao SUS, à Lei 9.313/96 e à mobilização social

O médico epidemiologista Pedro Chequer, que dirigiu o Programa de Aids entre 1996-2000 e 2004-2006, afirma que a certificação internacional consagra quase três décadas de esforços contínuos.
“Decorridas quase três décadas desde o início da implantação da estratégia de prevenção da transmissão vertical, o Brasil atinge níveis de controle compatíveis com os preceitos da OMS concernentes a seu controle enquanto problema de saúde pública.”
Registre-se ainda que isso também se fez possível devido à existência do SUS e ao compromisso técnico e político em seus diferentes níveis, tornando possível não só sua adoção mas também sua continuidade de modo ininterrupto até nossos dias, em que pese as adversidades enfrentadas pelo setor público de saúde, sob um progressivo e deletério processo de semiprivatização, à medida que sua estrutura gerencial da rede local é terceirizada à iniciativa privada, que se apresenta sob o disfarce de ‘Organizações Sociais’.
Não se pode deixar de registrar o decisivo e relevante papel da sociedade civil organizada, que mobilizou atores e por inúmeras vezes organizou manifestações nos âmbitos pertinentes, mantendo evidente a necessidade do compromisso político e operacional das normas relativas ao acesso universal. “Temos sim motivos para comemorar, mas sem perder de vista a persistência de se alcançar logros mais ousados, de modo a se efetivar o real controle do HIV enquanto problema de saúde pública. Devemos ter em mente que alguns marcos vitoriosos também obtidos ao longo de décadas de esforço coletivo e motivo de orgulho nacional sofreram sérios revezes.”
Ele destaca que a conquista só foi possível porque o país manteve políticas estruturantes, como a Lei 9.313/96, que garante acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais: “Essa lei não só teve sua implementação imediata como também, em que pese as adversidades orçamentárias enfrentadas pelo país em alguns momentos, foi rigorosamente cumprida pelo governo federal ao longo do período.”
Chequer ressalta ainda o papel contínuo do SUS e alerta para os riscos provocados pela terceirização crescente da gestão pública. Além disso, reforça o protagonismo da sociedade civil: “Não se pode deixar de registrar o decisivo e relevante papel da sociedade civil organizada, que mobilizou atores e por inúmeras vezes organizou manifestações nos âmbitos pertinentes, mantendo evidente a necessidade do compromisso político e operacional das normas relativas ao acesso universal.”
Apesar da comemoração, ele lembra que ainda há metas a serem cumpridas: “Temos sim motivos para comemorar, mas sem perder de vista a persistência de se alcançar logros mais ousados, de modo a se efetivar o real controle do HIV enquanto problema de saúde pública. Devemos ter em mente que alguns marcos vitoriosos também obtidos ao longo de décadas de esforço coletivo e motivo de orgulho nacional sofreram sérios revezes.”
Dr. Fábio Mesquita: “A eliminação da transmissão vertical do HIV no Brasil nos aproxima das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”

Para o médico epidemiologista Fabio Mesquita, ex-diretor do Departamento de Aids e atual secretário de Saúde do Guarujá, o reconhecimento da OMS pela eliminação da transmissão vertical do HIV no Brasil representa um passo fundamental rumo à eliminação do HIV como problema de saúde pública, em consonância com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030. “Esse resultado é fruto de décadas de trabalho de profissionais de saúde no âmbito do SUS e de uma política pública de Estado, que hoje se consolida como referência para diversos países do mundo. Parabéns a todas e todos que contribuíram para essa vitória”, afirma.
Fonte: Agência Aids


