América Latina enfrenta monopólios e exclusões em meio à chegada de PrEP injetável, apontam especialistas

Ativistas, especialistas e representantes de organizações da América Latina se reuniram virtualmente nesta quinta-feira (22), em um encontro promovido pela Aids Healthcare Foundation (AHF), para debater os desafios e avanços no acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV na região. Em pauta, temas como a chegada de novas tecnologias, desigualdades no acesso e estratégias para fortalecer a prevenção combinada.

Inovações em PrEP

Entre os destaques da reunião, esteve a discussão sobre as novas formas injetáveis de PrEP, como o Cabotegravir — já aprovado, com aplicação a cada dois meses e eficácia de 79% — e o Lenacapavir, que promete uma injeção a cada seis meses e apresentou 96% de eficácia nos estudos clínicos, embora ainda não esteja disponível na maioria dos países da região.

Os participantes também ressaltaram a urgência de transformar a visão pública sobre a PrEP, frequentemente marcada por estigmas e desinformação.

Barreiras de Acesso

As dificuldades de acesso à PrEP foram analisadas em múltiplos níveis, desde a escassez de centros de distribuição até entraves legais para a produção e importação de genéricos.

Juliana Vallini, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), destacou que países como Argentina, Brasil e México ficaram de fora da licença voluntária da Gilead para o Lenacapavir — apesar de terem participado dos estudos do medicamento. Essa licença permitiria que empresas genéricas desses países fabricassem o produto.

“As ferramentas existem. O desafio é usá-las de forma justa, acessível e sustentável”, complementou.

Representantes de ONGs denunciaram ainda a prática do “evergreening” — uma manobra da indústria farmacêutica para estender patentes e impedir a entrada de genéricos, mesmo após a expiração da patente original.

Peter Maybarduk, diretor do programa de Acesso a Medicamentos da organização americana Public Citizen, apontou o papel dos monopólios nos altos preços praticados.

“Isso é fruto dos monopólios. A luta é sobre poder. Sem pressão, não há negociação justa”, afirmou, defendendo a adoção de licenças compulsórias pelos governos.

Experiências Nacionais e Comunitárias

Representantes de diversos países compartilharam relatos sobre a implementação da PrEP em seus contextos locais. Jorge Pacheco, da Liga SIDA, falou sobre os obstáculos enfrentados na Colômbia, incluindo a ausência de registro para o Cabotegravir e a dificuldade de atuação da sociedade civil.

“A sexualidade continua sendo estigmatizada até mesmo pela sociedade civil”, afirmou.

Já Alfredo Mejía, do ICAP, abordou os desafios enfrentados pela população migrante venezuelana e destacou a importância de soluções como a TelePrEP, que visa contornar barreiras como o deslocamento e a discriminação. O projeto, no entanto, foi interrompido devido à revisão de apoio dos EUA.

No caso do Brasil, o cenário se mostrou mais promissor. Hortensia Peralta, também da OPAS, apontou o país como líder regional em número de pessoas em PrEP. Um dos diferenciais, segundo ela, é a adoção de metas municipais que visam alcançar três pessoas em PrEP para cada novo diagnóstico de HIV.

Além disso, o Brasil tem se destacado pela adoção de modelos híbridos de atendimento, como a TelePrEP, que ampliam o acesso e favorecem a adesão.

“Concluímos que a TelePrEP era viável, que havia evidência para dizer que funciona, e que já havia experiências em alguns países no mundo, particularmente no Brasil, que está em nossa região [América Latina]”, concluiu.

Propostas e Caminhos

Ao final do encontro, os participantes discutiram soluções e estratégias para superar as barreiras atuais. Entre as propostas:

* Ampliar o acesso à PrEP oral como forma de preparar o terreno para os medicamentos injetáveis;
* Desmedicalizar a PrEP para combater o estigma e ampliar a adesão;
* Fortalecer a produção local e regional de genéricos;
* Garantir o protagonismo da sociedade civil na formulação de políticas públicas.

“A PrEP não é medicalizar a sexualidade. É garantir uma vida saudável e livre do HIV”, defendeu Hortensia Peralta.

O consenso entre os presentes é que o avanço da PrEP depende da articulação entre governos, organismos internacionais e comunidades, com foco no direito à prevenção como pilar da resposta ao HIV.

Um novo debate está marcado para a próxima quinta-feira (29), com o objetivo de aprofundar a discussão e compartilhar experiências entre países. Segundo a moderadora Lídice López, a proposta é construir um espaço permanente de articulação e troca na região.

Fonte: Agência Aids