Pessoas com HIV mantêm boa qualidade de vida, mas têm mais sintomas de depressão, aponta estudo europeu

Um estudo apresentado nesta semana durante a 20ª Conferência Europeia de AIDS (EACS 2025), em Paris, trouxe boas notícias sobre o envelhecimento com HIV.
Pesquisadores holandeses acompanharam cerca de 500 pessoas mais velhas com HIV e outro grupo igual de pessoas sem o vírus, com características semelhantes, ao longo de quase uma década.

O resultado surpreendeu: embora o grupo com HIV tenha relatado uma qualidade de vida um pouco menor, a diferença foi mínima e considerada sem relevância clínica. Além disso, não houve queda na qualidade de vida de nenhum dos grupos entre o início e o fim do estudo — mesmo com o avanço da idade (de cerca de 52-53 para 60-61 anos).


Depressão aparece como fator de alerta

O estudo, no entanto, acendeu um alerta importante: os participantes com HIV apresentaram mais sintomas de depressão do que os sem o vírus.
De acordo com o questionário utilizado (CES-D), o grupo HIV positivo atingiu, em média, 22,4 pontos — bem acima do limite de 16 pontos, que indica presença de sintomas depressivos.
Já o grupo HIV negativo ficou próximo desse limite, com 16,4 pontos.

Segundo Kevin Moody, do Centro Médico da Universidade de Amsterdã, isso mostra que as pessoas com HIV são cerca de 50% mais propensas a apresentar sintomas clinicamente relevantes de depressão, mesmo quando o vírus está bem controlado.


O que o estudo analisou

A pesquisa faz parte do AGEhIV Cohort Study, que começou em 2010 e selecionou pessoas com HIV com 45 anos ou mais em tratamento antirretroviral e com carga viral indetectável.
Elas foram comparadas com pessoas HIV negativas que também frequentavam serviços de saúde e tinham perfis semelhantes — por exemplo, 77% dos participantes com HIV e 70% dos sem HIV eram homens gays ou bissexuais.

Os voluntários responderam periodicamente a dois questionários:

  • SF-36, que avalia qualidade de vida relacionada à saúde (física e mental);

  • CES-D, que identifica sintomas de depressão.

Entre os participantes com HIV, o nível médio de CD4 foi 570, e um terço havia tido uma condição definidora de AIDS no passado.

Mesmo após ajustes para fatores como doenças crônicas, status socioeconômico e estilo de vida, as diferenças entre os grupos foram pequenas: cerca de dois pontos a menos para sintomas físicos e um ponto a menos para aspectos mentais no grupo com HIV.


Resiliência e adaptação

Para Moody, esses resultados podem indicar que os instrumentos clássicos de avaliação de qualidade de vida, como o SF-36, não refletem totalmente a realidade atual de quem vive com HIV e tem o tratamento sob controle.
“O questionário foi criado nos anos 1990, quando muitos pacientes sofriam efeitos colaterais graves e dor neuropática. Hoje, a maioria das pessoas com HIV vive bem e sem grandes limitações físicas”, explica.

Ele sugere que as pesquisas e o acompanhamento clínico passem a incluir ferramentas específicas para avaliar saúde mental, além das físicas.
Outra possível interpretação é que as pessoas com HIV desenvolvem uma forma de resiliência: “Talvez exista uma capacidade de adaptação que permite seguir a vida de maneira plena, mesmo enfrentando mais sintomas emocionais”, observa o pesquisador.


A quarta meta do HIV: qualidade de vida

Moody lembrou ainda que a qualidade de vida é considerada o “quarto 95” das metas globais da ONU e da OMS para o enfrentamento do HIV.
Ou seja, além de 95% das pessoas saberem seu status sorológico, 95% estarem em tratamento e 95% atingirem carga viral indetectável, é fundamental que 95% também tenham uma boa qualidade de vida.


Conclusão

De modo geral, o estudo mostra que envelhecer com HIV bem tratado não significa viver pior.
“Não há indícios de que a qualidade de vida de pessoas com HIV diminua mais rápido do que a de pessoas sem o vírus”, conclui Moody.
O desafio agora é identificar e tratar precocemente a depressão para garantir que a longevidade venha acompanhada de bem-estar emocional.


Referência:
Moody KG et al. Health-related quality of life in ageing people with HIV is not different to that of well-matched controls without HIV: an 8-year longitudinal analysis from the AGEhIV cohort study on ageing and comorbidities. 20th European AIDS Conference, Paris, abstract O1.7, 2025.