Veja: A descoberta brasileira que oferece esperança contra o HIV – Paulo Eduardo Brandão

Em agosto deste ano, colegas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram um achado surpreendente em um paciente infectado por HIV em um artigo científico em um dos mais conceituados periódicos da área.

Qual foi o achado? O paciente ficou 78 semanas sem níveis detectáveis do HIV.

Em uma edição anterior da Virosfera, já tratamos do HIV, mas vale relembrar alguns pontos para entendermos o significado deste achado.

O HIV é o vírus da imunodeficiência humana e é o agente etiológico da aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Desde 1981, mais de 82 milhões de pessoas foram infectadas em todo o mundo e 42,3 milhões morreram.

Atualmente, quase 40 milhões de pessoas vivem com o HIV, com 1,3 milhão de novas infecções globalmente a cada ano.

Muitas dessas pessoas convivem com o vírus, mas não apresentam sintomas graças ao coquetel antiviral oferecido gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Isso permite uma vida longa e próspera, mas não elimina definitivamente o vírus por uma característica muito especial: ele consegue inserir seu próprio genoma no nosso e permanecer ali de forma silenciosa, sem produzir novos vírus.

Outro problema é que o HIV infecta e mata um tipo de linfócito chamado T-CD4, essencial para coordenar a resposta imune. Para infectar esses linfócitos, o HIV se liga ao receptor CD4, mas também pode usar receptores alternativos, como o CCR5 e o CXCR4. Diferentes tipos de HIV têm preferência por um ou outro.

Em resumo: uma pessoa com HIV tratada com o coquetel antiviral pode manter carga viral muito baixa e não desenvolver a doença AIDS. Porém, o genoma viral inserido nos linfócitos permanece, aguardando uma oportunidade para ressurgir. É como uma alternância entre guerra e paz entre nós e o HIV.

Uma alternativa que já funcionou em 10 pacientes foi usar linfócitos T-CD4 naturalmente mutados, sem o receptor CCR. Esses linfócitos podem ser encontrados em doadores. Nesse caso, duas coisas acontecem:

Se o HIV usa esse receptor para infectar os linfócitos, não consegue penetrar nas células.

A entrada de células de outra pessoa pode causar reação imunológica que elimina os linfócitos do paciente, junto com os genomas virais escondidos.

Esse procedimento é arriscado e só usado em pacientes severamente comprometidos imunologicamente.

A aposta inovadora da Unifesp

O que os colegas da Unifesp fizeram de modo inovador que deu certo em um paciente (de um total de 30) foi algo que só pode ser definido por um termo altamente técnico e científico: muito legal!

Primeiro, em tubos de ensaio, eles treinaram células dendríticas, que são parte do sistema imune, apresentando a elas proteínas do HIV. Assim, ensinaram essas células a detectar o vírus e iniciar a resposta imune.

Mas a parte mais interessante vem agora: usaram uma droga chamada nicotinamida, que faz o genoma viral latente “acordar”. Com isso, o HIV se multiplica e não tem mais como se esconder: as células infectadas podem ser distinguidas e as células dendríticas treinadas fazem seu trabalho.

Mesmo com esse sucesso, após as 78 semanas sem HIV detectável, o vírus voltou — possivelmente porque alguns linfócitos permaneceram fora do alcance da nicotinamida. Durante todo o tempo, o paciente continuou tomando o coquetel antiviral tradicional, o que ajudou quando o vírus retornou.

O valor da pesquisa científica contínua

Todos que pesquisam antivirais, como nós aqui no meu laboratório na USP, comemoram cada pequeno avanço: uma queda na carga viral, maior tempo de sobrevida ou sintomas mais brandos.

Mas também sabemos que o tratamento de uma doença viral não se restringe a uma única molécula efetiva nem a apenas eliminar o vírus: é preciso reconstruir o que foi destruído e recuperar a saúde total do paciente.

E isso envolve tempo e investimento contínuo em ciência. Afinal, “tudo vem a tempo para quem sabe esperar”, certo, caro Leo Tolstói?