Ativistas lançam campanha global para garantir acesso universal ao lenacapavir, nova injeção de prevenção ao HIV

Uma coalizão internacional de organizações de saúde e direitos humanos lançou, na última semana, uma campanha global para garantir que o lenacapavir (LEN-LA), nova injeção semestral para prevenção do HIV, esteja disponível em todos os países a um preço genérico de US$ 40 por pessoa ao ano.

O anúncio ocorreu após a divulgação de acordos com dois fabricantes indianos de genéricos, Dr. Reddy’s e Hetero, que se comprometeram a oferecer o medicamento a esse valor a partir de 2027. O LEN-LA, recentemente aprovado pela FDA nos Estados Unidos, é considerado um divisor de águas: trata-se de uma dose semestral de profilaxia pré-exposição (PrEP) que, segundo os estudos, pode oferecer proteção praticamente total contra a infecção pelo HIV.

Restrição de acesso

No entanto, o acesso a esse preço será limitado apenas aos 115 países de baixa e média renda e a cinco territórios incluídos na licença voluntária da farmacêutica Gilead, que detém a patente. Isso exclui dezenas de países com taxas elevadas de infecção, como Argentina, Brasil, México e Peru — mesmo estes tendo participado dos estudos clínicos que garantiram a aprovação do medicamento nos Estados Unidos.

Para ativistas, a estratégia da empresa representa um risco grave ao controle da epidemia.

“O lenacapavir tem o potencial de derrotar a pandemia de HIV, se for entregue com urgência e em escala; qualquer restrição ao acesso a um preço genérico acessível para esta ferramenta essencial de prevenção é inaceitável”, disse Asia Russell, da organização Health GAP. “A ganância da Gilead relega comunidades do mundo inteiro a uma prevenção inferior, prolongando desnecessariamente esta pandemia.”

Segundo estimativas, mais de um quarto das novas infecções globais ocorrem nos 26 países e territórios excluídos da licença. Ativistas denunciam que, nessas regiões, a empresa pretende adotar acordos de preços diferenciados, negociados de forma opaca, o que poderá tornar o lenacapavir inacessível para a maioria da população que mais precisa dele.

Retrocessos na resposta global

A preocupação cresce em meio ao aumento recente no número de novas infecções. Em maio de 2025, a média diária de novos casos passou de 3.500 para 5.800, após a administração Trump ter descontinuado grande parte dos programas de prevenção, incluindo aqueles voltados à PrEP, que alcançavam 3,5 milhões de pessoas. Estima-se que 20 milhões de pessoas necessitem urgentemente de acesso a essa tecnologia.

O cenário também é agravado pelos planos limitados do Fundo Global e do Departamento de Estado dos EUA, que confirmaram um acordo com a Gilead para alcançar apenas 2 milhões de pessoas em 9 a 12 países, ao longo de três anos.

Para os especialistas, isso está muito aquém da escala necessária.

“Em poucos meses vimos avanços científicos históricos: a aprovação do lenacapavir pela FDA, as recomendações da OMS e o novo impulso para a PrEP injetável”, disse Othoman Mellouk, líder de Acesso a Medicamentos e Diagnósticos da International Treatment Preparedness Coalition (ITPC). “Mas ciência sozinha não acaba com epidemias. O que está no caminho do acesso são o controle monopolista, os preços altos e a lentidão no registro. É por isso que esta reunião é urgente: para que a sociedade civil e as comunidades definam os termos do acesso.”

Ação coordenada

Diante desse cenário, durante atividades paralelas à Assembleia Geral da ONU, em Nova York, ativistas anunciaram uma campanha global com ações jurídicas e políticas contra as barreiras de patentes e registro impostas pela Gilead.

“Hoje estamos anunciando uma campanha global para tornar a PrEP de longa duração acessível e disponível para todos”, declarou Peter Maybarduk, diretor de Acesso a Medicamentos da organização Public Citizen. “Grupos de saúde de todo o mundo trabalharão juntos para desafiar as barreiras de patentes da Gilead nos tribunais, combater a exclusão de muitos países em desenvolvimento do acesso a preços acessíveis e pressionar governos para que a PrEP de longa duração esteja prontamente disponível nas comunidades. Vamos remover as barreiras para ajudar a acabar com a aids.”

Ativistas destacam que, apesar das restrições, já existe financiamento disponível para a aquisição do lenacapavir. Estima-se que US$ 2,3 bilhões, aprovados pelo PEPFAR para 2026, poderiam ser usados para comprar o medicamento a US$ 100 por pessoa/ano — preço secreto da Gilead para países selecionados. No entanto, esses recursos estão bloqueados pelo presidente Trump e por Russell Vought, diretor do Escritório de Gestão e Orçamento da Casa Branca.

Chamados regionais

Em diferentes países, organizações têm cobrado dos governos mais responsabilidade e ação coordenada.

“Conclamamos todos os governos a cumprir seu dever de garantir acesso universal e oportuno”, afirmou Luz Marina, da GHP Corp, na Colômbia. “É essencial fortalecer as estratégias de PrEP e coordenar esforços regionais para aproveitar plenamente todas as ferramentas legais, técnicas e de cooperação, a fim de garantir o acesso ao lenacapavir, que representa uma verdadeira esperança para o controle e a prevenção do HIV na região.”

Urgência na Índia

Outra barreira apontada é a necessidade de agilidade regulatória por parte do governo da Índia, responsável por autorizar a exportação dos genéricos produzidos no país.

Esses acordos não vão avançar até que as versões genéricas sejam registradas na Índia e liberadas para exportação. A Índia precisa agir com urgência para acelerar a aprovação regulatória, de forma que os genéricos possam obter o Certificado de Produto Farmacêutico (CoPP) e entrar nas cadeias globais de fornecimento. Qualquer atraso regulatório na Índia arrisca retardar o acesso ao lenacapavir a US$ 40 por pessoa por ano”, alertou Leena Menghaney, especialista em direito de acesso a medicamentos.

O futuro da prevenção

A Organização Mundial da Saúde já publicou recomendações globais para o uso do lenacapavir em todas as populações em risco. Estudos sugerem que ele poderia ser produzido por até US$ 25 anuais, enquanto nos Estados Unidos o preço chega a US$ 28.218 por ano. Pesquisas também apontam que a adesão tende a ser maior em esquemas injetáveis semestrais do que na PrEP oral diária, sobretudo entre populações mais vulneráveis — incluindo homens gays e bissexuais, pessoas trans, profissionais do sexo e adolescentes e mulheres jovens.

Com o lema “Sem Fronteiras, Sem Barreiras, Sem Desculpas”, os ativistas afirmam que seguirão pressionando governos e a indústria farmacêutica até que o lenacapavir seja uma realidade para todas as comunidades que dele necessitam.

Fonte: Agência Aids com informações do site TAG