UOL: Quem toma remédio para prevenir ou tratar HIV pode usar creatina? E whey?

As medicações usadas para prevenir e tratar o HIV são muito seguras e eficazes, mas em menos de 1% dos casos podem afetar a função renal —o efeito acontece especialmente com o tenofovir. Em paralelo, quem usa esses remédios é um público mais jovem, adepto à musculação e ao uso de suplementos como a creatina, que em excesso e sem supervisão pode sobrecarregar os rins.

O cenário gera dúvidas sobre se pode usar a suplementação, e médicos até correm o risco de sugerir a suspensão dos medicamentos, o que é contraindicado. A questão foi levantada na semana passada durante uma palestra no 24º Congresso Brasileiro de Infectologia.

Embora o dano renal seja raro, vale a atenção para públicos específicos, como idosos e quem já tem alteração renal prévia. “Para esses pacientes, a gente precisa de um monitoramento mais próximo, mas não é algo comum ou que inviabiliza a utilização (da creatina) na prática clínica”, disse a VivaBem o infectologista Álvaro Furtado da Costa.

HIV e creatina

A suplementação de creatina é segura na dose correta. O indicado é tomar de 3 g a 5 g por dia, mas a dose adequada para cada pessoa deve ser orientada por um profissional da saúde. Os benefícios são um pequeno aumento na força e consequente ganho muscular, desde que se façam treinos resistidos, como musculação. Também é importante usar apenas produtos aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

O uso de creatina pode alterar um marcador no sangue, a creatinina. Ela é um dos parâmetros para avaliar a função dos rins. Em níveis muito elevados, pode indicar falha renal. Ao se deparar com um valor alterado em uma pessoa que usa PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) ou trata HIV, o médico pode suspeitar que é por causa das medicações.

A PrEP consiste em comprimidos diários no intuito de permitir ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. É indicada para pessoas sexualmente ativas, não infectadas, mas com risco aumentado de exposição ao HIV.

Valor alterado nem sempre indica disfunção renal. Segundo Costa, a elevação da creatinina é transitória. “Se a creatinina vier um pouquinho alterada, não significa perda da função do rim, é pelo uso da creatina, provavelmente. Isso não é critério de parar a terapia antirretroviral ou a PrEP”, afirma.

Outros marcadores ajudam a entender o cenário. Os profissionais de saúde que acompanham a pessoa que toma PrEP ou trata HIV podem ficar atentos à cistatina C, um marcador mais preciso sobre a taxa de filtração dos rins.

“Às vezes, você pega alguém que é muito vulnerável para HIV e a pessoa pode perder a oportunidade de tomar PrEP, porque parou de tomar por uma besteira”, disse o dr. Álvaro.

E o whey? Também não é um problema, desde que usado da forma adequada. Cada pessoa tem uma quantidade necessária de proteína para consumir no dia, que pode ser obtida pela alimentação ou suplementação. “Tem que obedecer um cálculo, não pode passar daquela dose. Por isso, um nutrólogo, médico ou nutricionista vai dizer quanto precisa ingerir”, diz Costa.

Acompanhamento é necessário

O monitoramento da função renal segue importante. Para quem usa PrEP, é indicado fazer exames a cada quatro a seis meses; quem tem HIV, a cada seis meses.

O paciente tem de tomar o remédio regularmente, frequentar o médico regularmente, tomar bastante água e ter uma vida saudável. Não pode simplesmente tomar e esquecer da vida, porque não dá para prever a doença. Isso pode ser silencioso e a gente só iria descobrir mais para frente.
Renata Zomer, presidente do Congresso Brasileiro de Infectologia

Conversa com médico é fundamental. Além de os médicos saberem sobre os valores toleráveis de creatinina, a pessoa deve dizer se toma creatina, de qual marca e em que dose para ser melhor orientada.

Costa reforça a segurança da prevenção e tratamento do HIV. “As pessoas têm muito medo de tomar PrEP, ou as que vivem com HIV, e ter alteração renal grave. É um grande mito, isso não acontece na maioria absoluta das vezes.”

Praticar exercícios e seguir dieta orientada são outros pilares do tratamento. Pessoas que vivem com HIV têm risco maior de doença cardíaca, mesmo que tomem remédio. Assim, a prescrição dessas práticas visa mudar o estilo de vida, no âmbito de uma vida saudável.

Novos remédios diminuem o risco para rins e ossos. Uma revolução no tratamento do HIV, a profilaxia pré-exposição no formato de injeção tem menos efeitos colaterais. No Brasil, o cabotegravir está disponível na rede privada, com aplicação a cada dois meses. A fabricante GSK/ViiV Healthcare já pediu à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) a avaliação da terapia para incorporá-la ao SUS. Já nos EUA, a agência regulatória FDA aprovou o lenacapavir, indicado a cada seis meses.