Estadão/ HIV: O sonho da cura cada vez mais próximo
No início da epidemia, quando o HIV inevitavelmente ceifava as vidas das pessoas infectadas, o grande sonho era que a ciência encontrasse uma “cura” – ou seja, um recurso capaz de impedir a infecção ou eliminar completamente o vírus do organismo. Os anos se passaram e os avanços da ciência foram se encaminhando para soluções de meio-termo: dificultar a infecção e as atividades do vírus em caso de infecção.
Chegamos a um ponto em que é possível conviver com o HIV, com qualidade de vida, embora a palavra “cura” ainda não possa ser usada. Na prática, é como se muitas pessoas já tivessem sido curadas, pois há anos não sentem qualquer condição provocada pelo HIV.
“Pessoas vivendo com o vírus que estão em terapia antirretroviral e fazem o acompanhamento médico podem chegar a ter uma carga viral tão baixa a ponto de o vírus tornar-se indetectável, e isso significa que se torna não transmissível para outras pessoas por relações desprotegidas. É o que chamamos de indetectável igual a intransmissível”, diz Andrea Boccardi Vidarte, diretora e representante no Brasil do Unaids.
Avanços científicos seguem transformando profundamente a resposta global ao HIV. Um dos exemplos mais recentes são os medicamentos de ação prolongada, conhecidos como long-acting. Esses tratamentos inovadores marcam uma nova abordagem no cuidado: para pessoas que vivem com o HIV, permitem manter o vírus sob controle com aplicações mais espaçadas, substituindo a rotina diária de comprimidos. Uma mudança significativa, especialmente para quem enfrenta dificuldades em manter a adesão ao tratamento tradicional.
Para quem não vive com o vírus, há também uma versão injetável da PrEP (profilaxia pré-exposição), que oferece uma proteção eficaz com doses aplicadas em intervalos maiores — uma alternativa especialmente importante para populações mais expostas ao risco de infecção. A chegada desses tratamentos ao Brasil — já aprovados por órgãos como a Anvisa — representa um avanço importante na luta contra o HIV e na promoção de mais praticidade, inclusão e qualidade de vida no cuidado com a saúde.
E, quando a cura enfim chegar, talvez não venha acompanhada de uma manchete de impacto. Provavelmente será o resultado de décadas de pesquisa e progresso científico — como os que continuamos a construir hoje.
Ponto de virada
Para o Unaids, “a ciência do HIV não via esse tipo de avanço desde o início da terapia antirretroviral altamente eficaz, há cerca de 30 anos”. O entusiasmo é justificável – afinal, são avanços espetaculares no combate à epidemia que mais causou mortes no mundo no último século – 42,3 milhões, entre 88,4 milhões de infectados desde os primeiros casos.
O número de mortos ao longo da história é semelhante ao de pessoas que vivem atualmente com o HIV no planeta, estimado em 39,9 milhões, dos quais 9,2 milhões não têm acesso aos medicamentos necessários para o combate ao vírus. O ritmo médio de novas infecções é de 3,5 mil por dia, sem redução significativa nos últimos cinco anos.
Para o Unaids, 2025 pode ser o ponto de virada, início de uma nova era de prevenção e tratamento do HIV, com potencial real de se chegar ao fim definitivo da aids. “Mas isso só pode acontecer se governos, setor privado, sociedade civil e organizações internacionais trabalharem de forma conjunta para garantir que essas inovações revolucionárias sejam acessíveis e disponíveis para todas as pessoas que delas necessitam”, ressalta a instituição.
“Está muito claro que estamos perto de uma solução definitiva para o HIV. O grande desafio é justamente assegurar que seja uma solução viável para todo mundo”, concorda Juan Carlos Raxach, coordenador da área de promoção da saúde e prevenção da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
“Apesar de todos esses avanços e das perspectivas positivas, é fundamental lembrar também que o trabalho envolvendo saúde sexual e saúde reprodutiva deve continuar sempre, pois envolve aspectos bem mais amplos do que o HIV.”
Cuidados individuais
Os antirretrovirais, drogas que surgiram na década de 1980 para impedir a multiplicação do HIV no organismo e evitar o enfraquecimento do sistema imunológico, estão na base dos tratamentos contra o vírus.
Desde 1996, esses medicamentos são distribuídos gratuitamente no Brasil, por meio do SUS. Atualmente, existem 22 tipos de antirretrovirais disponíveis em 38 fórmulas farmacêuticas. As opções englobam comprimidos revestidos, cápsulas gelatinosas, sachês, solução oral e frascos-ampola injetáveis.
Os infectologistas receitam a combinação que consideram mais adequada para cada paciente, considerando o estágio da infecção e as características de cada paciente. Alguns medicamentos são utilizados na profilaxia pós-exposição, a PEP, tratamento em caráter de emergência para ser utilizado após uma situação de risco.