Estadão/ Viver com HIV: do medo à esperança
Quem tem mais de 50 anos viveu o tempo do pânico com a aids, em que descobrir-se portador do vírus HIV representava uma sentença de morte. A lista de vítimas famosas inclui os cantores Cazuza (em 1990, aos 32 anos), Freddie Mercury (1991, aos 45) e Renato Russo (1996, aos 36). O caso do ex-jogador de basquete Magic Johnson tornou-se um marco da transição para doença crônica: quando ele anunciou o teste positivo, em 1991, aos 31 anos, imaginou-se que seria mais uma pessoa que morreria da doença, mas a evolução da ciência permitiu que o astro do esporte tenha permanecido vivo e saudável. Hoje ele está com 65 anos, dos quais 34 convivendo com o vírus.
Juan Carlos Raxach, 63 anos, cubano radicado há três décadas no Brasil, é um caso de relação ainda mais longeva com o HIV. Ele positivou em 1983, aos 21 anos, recém-formado em Medicina. O diagnóstico intensificou o desejo de conhecer o mundo. Veio ao Brasil pela primeira vez em 1994 e decidiu ficar em definitivo quatro anos depois, em grande parte motivado pelo pioneirismo do País em oferecer tratamento para pacientes de aids na rede pública, com a atuação fundamental do Sistema Único de Saúde (SUS).
Raxach conheceu o trabalho da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), que havia sido fundada em 1986 pelo sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho (1935-1997), mais uma vítima da doença. Integrou-se às atividades da associação, sendo hoje responsável pela coordenação da área de promoção da saúde e prevenção. Depois de tantos anos de envolvimento com o tema, ele ressalta que, embora o tratamento para quem vive com HIV possibilite uma vida praticamente normal quando iniciado precocemente e seguido de forma adequada, é fundamental persistir na missão de conscientizar e de prevenir. “Descobrir-se portador do vírus não deixou de representar um grande baque emocional, porque há muito estigma e discriminação envolvidos”, observa Raxach.
O Índice de Estigma em Relação às Pessoas que Vivem com HIV/Aids, produzido pelo Unaids (programa das Nações Unidas que trabalha para acabar com a epidemia até 2030, como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), indica que 31,3% das pessoas infectadas demoraram a receber cuidados relativos ao HIV por estarem preocupadas que outras pessoas tomassem conhecimento dessa informação.
Para Andrea Boccardi Vidarte, diretora e representante no Brasil do Unaids, as pessoas que vivem com o HIV e produzem conteúdo sobre o tema para as redes sociais contribuem para combater o estigma. “Existe muita desinformação nas redes sociais, mas também observamos como são um espaço importante de diálogo e acolhimento para as pessoas que vivem com HIV”, ela observa. “Precisamos lembrar que as pessoas que vivem com HIV têm sonhos, desejos, planos, e o HIV é só uma parte de tudo que a pessoa é.”
Reforço no diagnóstico
Em 2023, último ano com estatísticas completas, houve no Brasil um aumento de 4,5% nos diagnósticos de HIV em comparação ao ano anterior. Para o Ministério da Saúde, esse aumento não decorre de um maior índice de infecção, mas da crescente capacidade de diagnóstico.
– Novos recursos para prevenção
Esse fenômeno estaria diretamente relacionado à ampliação da oferta de recursos de prevenção – especialmente a profilaxia pré-exposição (PrEP), que teve 109 mil usuários ao longo do ano, o dobro do registrado dois anos antes. Para entrar na PrEP, as pessoas precisam se testar.
– Perfil dos novos casos
Dos 38 mil novos casos registrados no ano no País, 70,7% foram notificados em pessoas do sexo masculino, 53,6% em homens que fazem sexo com homens e 63,2% em pessoas pretas e pardas. A faixa etária com maior proporção de novos casos, 37,1%, é a que vai dos 20 aos 29 anos.
– Taxa de mortalidade
Embora tenha registrado a menor taxa de mortalidade desde 2013, 3,9%, o ano contabilizou 10.338 óbitos por aids, número inaceitável quando há tratamento gratuito à disposição de todos os brasileiros.