Boa notícia: Estudo sugere que novo antiviral contra HIV deve proteger pacientes por até um ano, informa O Globo
O medicamento que representou o maior avanço tecnológico recente no combate ao HIV pode se qualificar para uma terapia preventiva que requer apenas uma injeção por ano.
Em um estudo publicado hoje, cientistas da Gilead, multinacional farmacêutica que desenvolveu o fármaco, descrevem um teste clínico de fase 1 em que a dose anual do lenacapavir foi testada.
Nessa etapa de pesquisa, em que é avaliada sobretudo a segurança da droga, o produto mostrou ter poucos efeitos colaterais e deu sinais de que tem efeito duradouro.
Já aprovado em testes clínicos para uso semestral, o lenacapavir é classe especial de terapia do tipo profilaxia pré-exposição (PrEP), que usa o antiviral para prevenir infecções, não para tratar quem já contraiu o HIV.
A formulação semestral do medicamento já chegou à fase 3 de ensaios clínicos, que atesta a eficácia do medicamento, e cientistas dizem que a formulação anual tem grandes chances de ser aprovada também.
Em um estudo publicado hoje na revista The Lancet, pesquisadores da Gilead liderados pelo farmacólogo Vamshi Jogiraju divulgaram indicadores indiretos de eficácia que foram avaliados ainda na fase 1 do estudo.
Medindo a presença do medicamento no sangue de 40 voluntários ao longo de 56 semanas após uma dose de 5 gramas, os pesquisadores constataram que o lenacapavir permanece na corrente sanguínea de forma consistente durante mais de um ano.
Segundo os pesquisadores, a concentração do medicamento varia durante esse período, mas permanece acima do limiar que nos estudos anteriores conferiam proteção contra o vírus.
Os pesquisadores testaram duas formulações diferentes do medicamento (uma com 10% de álcool outra com 5%) e, diferentemente do que fizeram em testes anteriores, aplicaram injeções intramusculares do medicamento. (Na versão semestral já aprovada, o lenacapavir é aplicado por injeção subcutânea.)
“A maior concentração mediana da aplicação intramuscular anual do lenacapavir permaneceu acima da maior concentração mediana do lenacapavir subcutâneo semestral”, escreveram Jogiraju e seus colegas no estudo. “Os eventos adversos foram, na maioria, de grau 1 ou 2. O mais comum foi dor no local da injeção, que geralmente era leve, cessando em uma semana e foi substancialmente reduzida pelo pré-tratamento com gelo.”
O trabalho foi o destaque desta terça-feira (11) na Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI), um dos principais eventos científicos de pesquisa em HIV/Aids, em San Francisco (EUA).
Segundo os cientistas, apesar de o ensaio de fase 1 não ser ainda uma prova definitiva da eficácia anual do lenacapavir, os resultados preliminares sugerem que “pode-se esperar sucesso”.
Corrida pelo acesso
A grande aposta da Gilead no desenvolvimento de formulações mais espaçadas do medicamento é que isso ajuda aumentar a adesão ao tratamento. Já existem diversas terapias PrEP no mercado que demonstraram ser eficazes, mas requerem administração via oral e diária.
“Em 2023, o mundo registrou 1,3 milhão de novas infecções por HIV. No entanto, apesar da disponibilidade de várias opções de PrEP, só 3,5 milhões dos 21,2 milhões de pessoas que se beneficiariam dessa classe de tratamento a estavam recebendo nesse ano”, afirma Jogiraju. “Embora as opções diárias de PrEP oral sejam altamente eficazes quando usadas conforme as instruções, os desafios com a adesão e a persistência limitaram seu efeito geral.”
A Gilead não é a única gigante farmacêutica investindo nesse potencial mercado. O medicamento cabotegravir, produzido pela GSK em parceria com a ViiV Healthcare, já obteve aprovação sanitária em vários países, incluindo o Brasil, para uma terapia de PrEP com injeção bimestral.
O lenacapavir para tratamento semestral deve passar por aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda neste ano, mas não deve estar disponível inicialmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O governo brasileiro já está em negociações com a GSK para tentar disponibilizar o cabotegravir gratuitamente a algumas populações selecionadas, incluindo a de trabalhadores do sexo. Já a adoção do lenacapavir, lançado a um preço de mais de US$ 40 mil/ano, está mais longe de ser negociada. Já há estudos apontando que a produção em escala e políticas especiais para países mais pobres permitiriam reduzir muito o preço.
Um preço alto, mas pagável, porém, pode representar benefícios para grandes sistemas de saúde, porque infecções evitadas representam economias na ponta do tratamento.
“Uma PrEP que tenha ação ainda mais longa poderia melhorar a adesão e a persitência do tratamento, especialmente em contextos de parco acesso à cuidados em saúde”, afirma Jogiraju.